Na Wikipedia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sgt._Pepper's_Lonely_Hearts_Club_Band
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Glauber Rocha - Maranhão 66
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Maranhão 66 é um documentário de curta-metragem brasileiro de 1966, dirigido por Glauber Rocha.
Sinopse
A pedido do então governador eleito e amigo José Sarney (então com 35 anos), Glauber Rocha produziu um documentário sobre a cerimônia da posse do político em ascensão da UDN/ARENA em 1966, dois anos depois do golpe militar de 1964. A posse de Sarney, em 1966, marcava o início da domínio político de sua família no Maranhão, interrompido somente em 1º de janeiro de 2007, com a posse de Jackson Lago no Palácio dos Leões.
Ante o discurso de posse de Sarney e a celebração da multidão com o novo governo, o documentário expõe a miséria da população maranhense. Enquanto Sarney, em um exercício retórico, se comprometia solenemente a acabar com as mazelas do estado, o filme mostrava as mesmas: casas miseráveis, hospitais infectos, vítimas da fome ou da tuberculose.
Terra em Transe
Glauber retirou dois planos dos negativos de Maranhão 66 para sobrepor em Terra em Transe. Foi utilizado para um comício do personagem Filipe Vieira (vivido por José Lewgoy), governador da província de Alecrim, no fictício país chamado Eldorado. Vieira era um político demagogo que se elegeu à custa do voto dos camponeses e operários e que, após assumir o governo, ordenou o fuzilamento dos líderes populares.
Foi também no set de Maranhão 66 que Eduardo Escorel, então técnico de som, leu pela primeira vez o roteiro de Terra em Transe, filme em que assinaria a montagem.
Comentários
Sobre o documentário, Glauber Rocha comentou em 1980: "É uma reportagem sobre as eleições de um governador (José Sarney) no Maranhão; é muito importante para mim, porque o filmei com som direto e foi uma experiência muito útil para “Terra em Transe” porque participei das etapas de uma campanha eleitoral"[1]
Já José Sarney disse: "Tomava eu posse no governo do Maranhão e fiz uma ousadia que não deveria ter feito com um amigo da estatura de Glauber Rocha. Eu lhe pedira que documentasse a minha posse. Glauber fez o documentário que foi passado numa sala de cinema de arte, há 15 anos. E quando o público viu que uma sessão de cinema de arte ia ser passado um documentário que podia ter o sentido de uma promoção publicitária, reagiu como tinha que reagir. Mas aí, o documentário começou a ser passado, e quando terminaram os 12 minutos o público levantou-se e aplaudiu de pé, não o tema do documentário mas a maneira pela qual um grande artista pôde transformar um simples documentário numa obra de arte: ele não filmou a minha posse, ele filmou a miséria do Maranhão, a pobreza, filmou as esperanças que nasciam do Maranhão, dos casebres, dos hospitais, dos tipos de ruas, e no meio de tudo aquilo ele colocou a minha voz, mas não a voz do governador. Ele modificou a ciclagem para que a minha voz parecesse, dentro daquele documentário, como se fosse a voz de um fantasma diante daquelas coisas quase irreais, que era a miséria do Estado".[2]
Referências
↑ Entrevista com Glauber Rocha - 1981
↑ Entrevista do senador José Sarney ao Jornal do Brasil - 25 de agosto de 1981.
Maranhão 66 é um documentário de curta-metragem brasileiro de 1966, dirigido por Glauber Rocha.
Sinopse
A pedido do então governador eleito e amigo José Sarney (então com 35 anos), Glauber Rocha produziu um documentário sobre a cerimônia da posse do político em ascensão da UDN/ARENA em 1966, dois anos depois do golpe militar de 1964. A posse de Sarney, em 1966, marcava o início da domínio político de sua família no Maranhão, interrompido somente em 1º de janeiro de 2007, com a posse de Jackson Lago no Palácio dos Leões.
Ante o discurso de posse de Sarney e a celebração da multidão com o novo governo, o documentário expõe a miséria da população maranhense. Enquanto Sarney, em um exercício retórico, se comprometia solenemente a acabar com as mazelas do estado, o filme mostrava as mesmas: casas miseráveis, hospitais infectos, vítimas da fome ou da tuberculose.
Terra em Transe
Glauber retirou dois planos dos negativos de Maranhão 66 para sobrepor em Terra em Transe. Foi utilizado para um comício do personagem Filipe Vieira (vivido por José Lewgoy), governador da província de Alecrim, no fictício país chamado Eldorado. Vieira era um político demagogo que se elegeu à custa do voto dos camponeses e operários e que, após assumir o governo, ordenou o fuzilamento dos líderes populares.
Foi também no set de Maranhão 66 que Eduardo Escorel, então técnico de som, leu pela primeira vez o roteiro de Terra em Transe, filme em que assinaria a montagem.
Comentários
Sobre o documentário, Glauber Rocha comentou em 1980: "É uma reportagem sobre as eleições de um governador (José Sarney) no Maranhão; é muito importante para mim, porque o filmei com som direto e foi uma experiência muito útil para “Terra em Transe” porque participei das etapas de uma campanha eleitoral"[1]
Já José Sarney disse: "Tomava eu posse no governo do Maranhão e fiz uma ousadia que não deveria ter feito com um amigo da estatura de Glauber Rocha. Eu lhe pedira que documentasse a minha posse. Glauber fez o documentário que foi passado numa sala de cinema de arte, há 15 anos. E quando o público viu que uma sessão de cinema de arte ia ser passado um documentário que podia ter o sentido de uma promoção publicitária, reagiu como tinha que reagir. Mas aí, o documentário começou a ser passado, e quando terminaram os 12 minutos o público levantou-se e aplaudiu de pé, não o tema do documentário mas a maneira pela qual um grande artista pôde transformar um simples documentário numa obra de arte: ele não filmou a minha posse, ele filmou a miséria do Maranhão, a pobreza, filmou as esperanças que nasciam do Maranhão, dos casebres, dos hospitais, dos tipos de ruas, e no meio de tudo aquilo ele colocou a minha voz, mas não a voz do governador. Ele modificou a ciclagem para que a minha voz parecesse, dentro daquele documentário, como se fosse a voz de um fantasma diante daquelas coisas quase irreais, que era a miséria do Estado".[2]
Referências
↑ Entrevista com Glauber Rocha - 1981
↑ Entrevista do senador José Sarney ao Jornal do Brasil - 25 de agosto de 1981.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
A Vaia Inaugural
BRAVO! Setembro/2009
Os apupos na estreia de "A Sagração da Primavera" são um marco das vanguardas artísticas. Depois de chocar, o balé se tornou um clássico - e inspirou coreógrafos como Pina Bausch, cuja companhia traz a obra ao Brasil
Por Gabriela Mellão
"Não se podia, durante todo o espetáculo, ouvir o som da música", anotou a escritora Gertrude Stein sobre a vaia que estabeleceu o 29 de maio de 1913 como o dia D da arte de vanguarda. Nessa data, em Paris, estreou o balé A Sagração da Primavera, com música de Igor Stravinsky e coreografia de Vaslav Nijinsky. Gertrude Stein estava lá, assim como o escritor e cineasta Jean Cocteau, que registrou: "Ali, para quem soubesse ver, estavam todos os elementos de um escândalo". Como escreveu o crítico musical Alex Ross, da revista The New Yorker, no livro O Resto É Ruído, escândalos como esse ocorriam de seis em seis meses na Paris dos anos 10, em que criadores da nascente vanguarda encenavam peças, escreviam músicas ou pintavam quadros destinados a sacudir e a chocar os conservadores. Nenhuma vaia, no entanto, ficou tão marcada na história da arte quanto a destinada à Sagração, talvez pelos desdobramentos posteriores. A peça de Stravinsky se tornou uma espécie de certidão de nascimento da música moderna. A coreografia de Nijinsky revolucionou a dança. E artistas como Gertrude e Cocteau, que estavam na plateia, se viram para sempre impregnados do espírito demolidor da Sagração - a obra de toda uma geração nascida na época atesta isso.
Depois do choque inicial da estreia, apresentada pela companhia Ballets Russes, do empresário Sergei Diaghilev, A Sagração foi aos poucos caindo no gosto do público. E se tornou - expressão paradoxal - uma espécie de "clássico da vanguarda". Os mais importantes coreógrafos do século 20 visitaram a partitura de Stravinsky e, cada um a seu modo, se impregnaram de sua música de ritmo irresistível, em que as cordas e sopros da orquestra fazem as vezes de instrumentos de percussão. Nessa aventura se lançaram nomes como o francês Maurice Béjart, em 1959, e a americana Martha Graham, em 1984. Uma dessas versões - a da coreógrafa alemã Pina Bausch, morta em junho último - volta a ser apresentada no Brasil neste mês, num programa que inclui Café Müller, com a companhia Pina Bausch Tanztheater Wuppertal.
Na versão original, os dançarinos contorciam-se e tremiam em espasmos no palco, seguindo a complexa estrutura politonal e dissonante da composição de Stravinsky. Com cabeças e pés torcidos, braços dobrados na lateral, mãos abertas e rígidas, os bailarinos levavam o grotesco ao palco para contar a história da jovem - a "eleita" - que precisa ser sacrificada em oferenda ao deus da primavera (a história do balé se baseia numa antiga lenda russa). Para elaborar os tremores e as contorções dos bailarinos, Nijinsky tomou como base a técnica de eurritmia desenvolvida pelo músico-educador suíço Émile Jacques-Dalcroze. Segundo ele, todo ritmo podia corresponder a uma livre criação motora.
Na Sagração da Primavera, os dançarinos golpeiam o solo com os pés, contrariando as regras clássicas segundo as quais os bailarinos, com sapatilhas de ponta, precisam "flutuar". No fim, acontece um dos solos mais longos e exigentes da dança moderna: a eleita, então imóvel, exterioriza com contorções seu terror diante da morte. Ela acelera seus movimentos até a convulsão final, quando gira sobre si mesma, cai morta e é erguida ao céu, em oferenda ao deus da primavera.
Criados pelo pintor e arqueólogo Nicholas Roerich, a cenografia e os figurinos ainda eram bastante suntuosos: no fundo do palco, um imenso painel retratava a paisagem do interior da Rússia. Já os figurinos, pesados, imitavam roupas de camponeses com vestidos longos, rostos pintados e uma série de adereços.
A primeira grande releitura da Sagração da Primavera ficou marcada, justamente, por tornar mais econômicos os recursos de cena, ao mesmo tempo em que retirava a história do contexto regional russo. Em 1959, com 32 anos, Maurice Béjart consagrou-se com uma coreografia despida de adereços pitorescos e um elenco formado por bailarinos das mais diferentes etnias, transformando a história num hino ao amor universal e apresentando a união profunda entre homem e mulher. Para Béjart, o encontro carnal entre um homem e uma mulher simboliza, também, a união do céu e da terra, a dança de vida e morte - "eterna como a primavera", como ele dizia.
Nessa época, Martha Graham já era um nome consagrado. Contudo, ela só iria fazer sua versão da Sagração 25 anos depois, aos 90 anos. Como Béjart, ela retirou a coreografia do contexto original. Fez uma versão contemporânea do ritual da fertilidade, investindo nos movimentos vigorosos, por meio das técnicas de contração e relaxamento do corpo pelas quais ela se celebrizou. Seus dançarinos vestem sungas, tornozeleiras e munhequeiras pretas. Os homens saem de cena carregando as mulheres nos ombros, compondo um retrato da fragilidade da mulher na sociedade patriarcal.
Essa abordagem da condição feminina também é uma característica da coreografia de Pina Bausch. Criada em 1975, quando Pina iniciava sua trajetória à frente da Tanztheater Wuppertal, ela também se afastava dos rituais da Rússia antiga. No lugar da representação do rito na natureza, concentrou-se no terror do homem diante da morte. "Pina aborda esta fábula do ritual para trabalhar as relações humanas, tema investigado em toda a sua trajetória", diz Cássia Navas, pesquisadora de dança da Universidade de Campinas (Unicamp) e consultora do Teatro de Dança. Em cena, os movimentos são violentos, evocando a força da chegada da primavera. A criação explora os sentimentos que a partitura da Sagração provocaram em Stravinsky, "uma convulsão imensa, como se toda a terra fosse sacudida em determinado momento".
A batalha entre vida e morte concebida por Pina Bausch acontece sobre um palco coberto de lama, representando uma arena arcaica. Aos poucos, a lama se aloja nos pés descalços, nas calças pretas e nos peitos nus dos bailarinos, nas camisolas transparentes, cor da pele, das mulheres. Em cena, um casal se destaca dos demais - fisicamente e pela diferenciação do figurino: a mulher veste camisola vermelha. Após uma dança frenética do coro, em movimentos que trabalham braços e pernas semiflexionados e buscam a terra ao mesmo tempo em que expressam grande tormenta, o casal em destaque se divide. O homem junta-se aos demais, deixando sua companheira solitária, entorpecida pelo medo.
"A Sagração da Primavera foi um divisor de águas não só para a dança, mas para a história da arte", diz a pesquisadora Cássia Navas. Para Luis Arrieta, coreógrafo e bailarino argentino radicado no Brasil que encenou sua própria versão da obra em 1985, a música de Stravinsky é "dotada de força e essencialidade incomuns". Segundo ambos, de Nijinsky a Pina Bausch, a ênfase na sexualidade sempre foi uma constante, com movimentos pélvicos, violentos e curvados, dotados de extrema intensidade. "Cada coreógrafo abordou a força primordial da vida na sua criação, situando-a na sua cultura, na sua história, no seu tempo. E todos endossaram os gestos primeiros de Nijinsky", diz Arrieta.
Maurice Béjart, Martha Graham e Pina Bausch foram, cada um a seu modo, inovadores na arte da dança. A alemã chegou a promover uma verdadeira revolução na linguagem ao aproximá-la da arte teatral. Nos primeiros anos de sua carreira, muitos bailarinos se recusaram a trabalhar com ela, e, em suas primeiras peças, pessoas saíam do teatro batendo as portas. Aos poucos, no entanto, a arte inovadora desses três criadores foi entendida e absorvida ao longo de um século - o 20 - em que a vanguarda se tornou o mainstream. No dia 29 de maio de 1913, a vaia mostrou que Stravinsky e Nijinsky estavam no caminho certo - o da contestação. Estabelecido o mito inaugural da vanguarda, vários artistas certamente sonharam com uma vaia assim. Já há algum tempo, no entanto, ela não é mais possível - e o fato de Martha Graham, Maurice Béjart e Pina Bausch nunca terem sido apupados por suas Sagrações é uma prova disso.
Gabriela Mellão é jornalista e dramaturga, autora da peça Minha Loucura É o Amor da Humanidade.
ONDE E QUANDO
Café Müller e A Sagração da Primavera. Coreografia de Pina Bausch. Com Pina Bausch Tanztheater Wuppertal. Teatro Alfa (rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro, São Paulo (tel. 0++/11/5693-4000). Quando: 5a e sáb., às 21h, e sex., às 21h30. De 24 a 26/9. De R$ 40 a R$ 200.
BRAVO! Setembro/2009
PINA BAUSCH ERGUE SUA BABEL
Por Fabio Cypriano, em Estocolmo.
BRAVO! Outubro / 1998.
“Eu não me interesso em como fazer um movimento, mas em porquê”. A frase da coreógrafa Pina Bausch é a síntese perfeita de sua obra, consolidada em 25 à frente do Tanztheater Wuppertal, na Alemanha. A data é comemorada neste mês com uma grande festa, que durante 20 dias vai reunir várias companhias, entre as quais a belga Rosas, o bailarino Mikhail Baryschnikov, grupos de hip-hop alemães e franceses e até o cantor Caetano Veloso. Todos os artistas vão se apresentar sem cobrar cachê, como um presente a Bausch.
A variedade dos convivas, que à primeira vista pode parecer inconciliáveis, retrata com fidelidade a personalidade da coreógrafa, que transformou os rumos da dança no século 20. O seu gosto pela diversidade se reflete também na origem dos 25 bailarinos da companhia, vindos de 15 países diferentes. No palco, eles cantam, respiram, choram, arremetem contra a parede e falam, muitas vezes em sua língua natal. Por isso é comum escutar textos em português, graças às presenças das bailarinas brasileiras Regina Advento e Ruth Amarante.
É claro, os bailarinos também dançam – sobre terra, água, flores, grama, granito, tijolos, porque, diz Bausch, “eu gosto de ver a interferência desses elementos orgânicos no movimento” -, ainda que na dança-teatro da coreógrafa o importante não seja apenas a dança. Bausch trata, em suas 30 peças à frente da companhia Wuppertal, de questões existenciais, como a solidão, mas também o amor e a alegria: afinal, diz ela, é preciso contrabalançar a tristeza do mundo. Além dos temas, os cenários deslumbrantes, mas simples, sem o uso de recursos tecnológicos sofisticados, põem o bailarino em primeiro plano, construindo um teatro centrado essencialmente no humano. Foi sobre esse trabalho, a festa de 25 anos e a possibilidade de criar uma peça sobre o Brasil que pina Bausch falou, com exclusividade a BRAVO!, em Estocolmo, durante a temporada de seu grupo na capital cultural da Europa de 1998.
BRAVO!: Há planos de o tanztheater Wuppertal fazer uma co-produção com o Instituto Goethe, de São Paulo, sobre a capital paulista?
Pina Bausch: De fato, alguém teve essa idéia, não sei exatamente quem, mas eu gostaria muito de poder fazer algo sobre o Brasil. É uma linda possibilidade, ainda não muito realista, porque não temos dinheiro para isso. Seria interessante se pudéssemos fazê-lo no ano 2000, em virtude das comemorações que serão realizadas no Brasil, mas já não é mais possível, pois fazemos uma co-produção com a cidade de Budapeste. Talvez seja possível para 2001. É uma proposta que eu gostaria de concretizar – passar um tempo no Brasil criando uma peça. São Paulo é uma cidade de que gosto muito.
A sua festa de 25 anos à frente do Tanztheater Wuppertal reúne artistas que vão desde baryschnikov a grupos de hip-hop franceses e alemães. Como a sra. Classifica essa variedade de convivas?
Eu não classifico nada em minha vida. É apenas uma festa de parte do que eu gosto, e eu gosto de tantas coisas... Acho que esse é um momento muito especial e por isso uma ótima razão para convidar todas essas companhias e também trazer públicos diferentes para o teatro.
Mas a sra. Ouve e vê hip-hop?
Sim, algumas vezes, quando tenho a possibilidade, em vídeo ou na televisão. É um movimento do break-dance incrível, e eles são dançarinos maravilhosos.
A coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker, da companhia belga Rosas, tinha uma linha de trabalho muito próxima da sua, mas agora faz um trabalho bem diferente. A sra. Tem acompanhado a carreira dela?
Nos últimos anos, não tive oportunidade de assistir aos espetáculos dela. Estamos sempre nos mesmos festivais, mês em dias diferentes. Nos encontramos às vezes, e ela já me convidou para dar aulas na escola dela (P.A.R.T.S.). É uma questão de tempo. Mas temos trabalhos muito diferentes, pois ela sempre tatua com música ao vivo, e isso influencia muito no que se faz. Eu uso música gravada, de toda parte do mundo.
Como é o processo de seleção dessas músicas?
Tenho dias pessoas encarregadas disso, especialistas em encontrar músicas. Mas a todos os meus amigos, aos bailarinos, a todo mundo pergunto sobre músicas bonitas. Contudo, a decisão é sempre minha: de faço, eu faço a música.
Na festa também estará presente Caetano Veloso, mas não há músicas dele em suas peças.
Ainda não (risos).
Mas há alguma canção dele em especial que a senhora tenha em vista?
Há tantas canções especiais! Nos encontramos pela primeira vez no ano passado, no Rio de Janeiro, e ele foi muito aberto a toda a companhia. Seria ótimo tê-lo em nossa festa.
A sra. Participou do filme E La Nave Vá, do diretor italiano Federico Fellini. Como foi a experiência?
Ele assistiu a várias peças e um dia disse que queria me convidar para participar do filme. Não acreditei que ele tinha me escolhido, pois há tantas mulheres lindas na companhia. Mas ele realmente queria a mim. Tempos depois eu entendi o porquê: Fellini me deu um de seus desenhos – ele sempre desenhou previamente as cenas – e, de fato, ele já havia me desenhado antes de nos conhecermos. Quando me viu, ficou claro que era de mim que ele precisava, pois, sem me conhecer, já havia me desenhado.
É uma incrível coincidência, pois sua personagem no filme é uma princesa cega, e isso acontece justamente depois da criação da peça Café Muller, em que a sra. dançava de olhos fechados!
Eu acho que foi uma enorme coincidência, mas não sei exatamente, pois ele não mostrava o script antes das cenas, apenas durante a maquiagem e, se algo o inspirava, ele alterava durante a gravação, o que chegou a acontecer comigo.
Mas ele dava espaço para improvisações, como a sra. faz, na criação?
Não, de forma alguma. Ele mostrava exatamente como queria que as cenas fossem feitas. Eu não sabia, no começo, como ele trabalhava e me surpreendi com isso! Ele dizia apenas no local das filmagens como as pessoas deveriam atuar.
A sra. já disse que cria peças pra falar sobre algo que tenha urgência. Sua peça mais recente, Mazurca Fogo, Trata essencialmente de amor, romantismo, alegria. É sobre esses sentimentos que a sra. acha urgente falar agora?
A questão é: do que o mundo precisa hoje, do que precisamos? Bem, eu fico tímida ao falar das minhas peças, do que faço, as claro que esses temas não surgiram por coincidência. Tudo é muito pensado, e reflete energias, sentimentos que estão juntos. Para mim pe o que realmente é necessário, ver certas ironias, rir de alguma coisa, ter um certo prazer. Estamos num terrível, tenebroso, sério e assustador momento. Então, procuro dar um pouco de balanço, de compensação a tudo isso.
Numa apresentação de O Limpador de Vidraças, uma criança de 7 anos divertiu-se o tempo todo, rindo, cantando, dançando. A sra. defende o teatro como m espaço para trazer nossas recordações de infância...
Sim, afinal nossa infância é nossa história. De fato, nossa infância é importante para nós, para cada um de nós, mas as peças não são sobre mim, e sim sobre nós. Pode-se assistir a elas por tantos lados, ao há um caminho: assista assim ou dessa forma. Deve-se estar livre, e confiar em si próprio, no que se seta sentindo quando se vê a peça. E, quando se vê mais vezes, ela muda, da mesma forma que mudamos nossos sentimentos, e isto se reflete na visão. Eu acho que uma peça deve ser tão aberta para mim quanto para os outros, para que cada uma possa construir sua própria peça nela.
A sra. assiste a todas as suas apresentações de sua companhia, o que a impede de aceitar convites para coreografar outros grupos. Qual a razão de sua presença permanente?
Eu mesma não sei exatamente, mas para mim isso sempre foi necessário. Alguém têm de estar lá para cuidar das peças, dos detalhes, há sempre milhões de detalhes. Senão, as produções vão mudado pouco a pouco. E também há diferentes palcos, teatros, e em cada lugar precisamos nos sentir como em casa, que é o nosso lugar. E nunca encontrei ninguém que pudesse cuidar disso. Além do mais, eu acho que foi o meu sentimento que organizou as peças e por isso tenho de estar lá, fazendo as críticas. E todo mudo trabalha tanto, que ‘tomar conta’ é muito importante. Tomar conta é sempre necessário, seja numa relação de amizade ou em qualquer outra.
Mas a sra. aceitou o convite para dirigir uma ópera, em julho, no mais recente estival de Aix-en-Provence.
Sim, durante as minhas três semanas de férias! Mas foi um convite irrecusável do Pierre Boulez, um maestro fantástico. E ele me propôs fazer O Barba-Azul, o que foi uma honra inacreditável. Sempre quis encontrá-lo e estar em contato com ele, o que foi muito bonito. Antes, O Barba-Azul tinha alguns cortes, e pela primeira vez foi apresentado na íntegra. E, em verdade, me pareceu uma obra completamente diferente, com um homem tão diferente, um Barba-Azul tão bom, Istoé, no que ele pode ser bom, uma pessoa tão triste, nem parecia o Barba-Azul.
E qual a diferença na montagem do Barba-azul que a sra. criou em Wuppertal, em 1977?
Quando fiz O Barba-Azul com o Tanztheater Wuppertal usei um gravador em cena que podia reproduzir a música alta ou baixa, ou mesmo voltar várias vezes. Na ópera, tive de aprender um monte de coisas como: não fazer muito barulho em cena para não atrapalhar a orquestra, ou que os cantores querem olhar para o público. Foi como fazer uma série de acordos. E o tempo de preparação foi um pouco curto, apenas três semanas.
Pelo processo de criação que desenvolveu, a sra. consegue obter de cada bailarino aquilo que ele sabe fazer de melhor. Como é esse processo?
Eu tenho com cada um uma relação muito especial, baseada no respeito. Mas explicar o processo é muito difícil. Pode-se falar de uma forma técnica o que faço, mas a real intenção pela qual escolho uma cena não tem explicação. E, quando vejo algo que me agrada, é como se isso já pertencesse ao que eu procurava, é o que eu queria ver. Também sempre há coisas que me deixam insegura: quando começo uma peça, nunca sei exatamente aonde vai dar. E são os bailarinos que me fornecem esse material: às vezes, uma palavra, ou mesmo uma pequena fração de movimento. Eles criam algo, e peço para repetirem apenas uma pequena parte, e eles mesmos se surpreendem com a minha escolha. É muito engraçado porque, no início, é como se eu não soubesse: já estava lá, mas não tinha forma. Mas se você me perguntar como, eu não sei.
UM TEATRO DO MOVIMENTO
Dança de Pina Bausch é nova forma de espetáculo.
Por Ana Francisca Ponzio.
Ao som de uma colagem musical que inclui Beethoven, Mozart e árias italianas antigas, cantadas por Benjamino Gigli, uma mulher vive um caso de amor com um hipopótamo. Situações como essa, moldadas para estimular a reflexão sobre as impossibilidades nos relacionamentos humanos, compõem o repertório de Pina Bausch, a coreógrafa alemã que inventou uma nova forma de espetáculo e cuja obra já é um clássico do século 20.
Em Árias, a criação de 1979 que relacionou o monumental paquiderme á condição humana, assim como em suas demais obras, Bausch explora histórias expressivas de um mundo cruel, cínico e violento, que, contudo não deixa de incluir o humor e a esperança. “De certa forma, meu trabalho é uma longa e única peça”, costuma dizer a coreógrafa que subverteu os códigos convencionais da dança para desenvolver uma linguagem teatralizada, sustentada pela expressão gestual que, mesmo quando reduzida ao mínimo de movimentos, sempre consegue tocar o essencial.
Segundo Bausch, a perda do movimento e da dança, em seus espetáculos, é apenas aparente. “Tenho imenso respeito pela dança e é por isso que a utilizo moderadamente”, ela disse à italiana Leonetta Bentivoglio, autora de um livro sobre a coreógrafa. “A dança está presente em mina obra, mas não é mostrada diretamente”. Diria que os movimentos utilizados são tão simples que nos fazem pensar que não constituem uma dança. Mas, para mim, é o inverso. Credito que á muita dança no trabalho de meus intérpretes, mesmo quando eles não se mexem”.
Rejeitando mensagens, os espetáculos de Bausch propõem questões abertas. Com sua visão subjetiva das relações humanas, ela estimula percepções diferentes de um mesmo tema como se algo pudesse ser visto de diversas formas, dependendo das circunstâncias.Com isso, a mesma obra pode adquirir múltiplos significados a cada nova apresentação. Eterna investigadora do movimento, Bausch já desafiou seu elenco a atuar em palcos recobertos por terra, água, troncos de arvores, milhares de cravos ou perante um muro que desmorona repentinamente. Ela explica que essa impressão de desordem dá os bailarinos consciência da realidade, mantendo-os em estado de atenção permanente. “Amo o real. A vida jamais se compara a um chão feito para dança, liso e seguro... Amo a relação da natureza com a dança. O passo de um dançarino sobre a grama ou sobre a terra fresca é completamente diferente, e sua maneira de ser e de se movimentar se transforma”, diz.
No vocabulário singular de Bausch, que disseminou influências e gerou legiões de imitadores, transitam elementos mais próximos do teatro do que da coreografia. Entretanto, os integrantes de seu elenco treinam rotineiramente a técnica do balé clássico, nunca utilizada como molde, mas como um recurso integrado à polivalência expressiva. Durante seus processos criativos, ela também cerca seu elenco de perguntas, relativas tanto à vida cotidiana como ao imaginário de cada um. De tais exercícios, recolhe reações particulares que, em conjunto, refletem as contradições do comportamento humano. Pouco a pouco, ela constrói uma organização dramática, marcada por ações repetitivas e narrativas descontínuas.
A atração pela subjetividade, que a faz somar a seus espetáculos as características e contribuições individuais dos bailarinos, vem de Kurt Jooss (1901-1979) – o precursor da nova dança alemã surgida no pós-guerra -, com quem Bausch trabalhou como assistente na escola Folkwang, dirigida por ele na cidade de Essen. Nascida em 1940, em Solingen, Bausch se deleitava na infância, com as pessoas e situações que observava no restaurante de seu pai. “É uma bagagem que jamais perdi”, diz. Aos 14 anos, quando ingressou na escola fundada por Jooss, ela teve a oportunidade de estudar diversas modalidades de dança, da clássica à folclórica, além de disciplinas integradas, como música, teatro, canto, fotografia, artes plásticas.
Em 1959, quando se mudou para Nova York, onde viveu durante dois anos, Pina também se encantou com o caráter multifacetado da cidade. Durante este intenso período, ela estudou na Juilliard School of Music, dançou nas companhias de Paul Sanazardo, Donya Feuer e Paul Taylor, e também fez parte dos elencos do New American Ballet e do Metropolitan Opera Ballet, na época dirigido pelo coreógrafo britânico Antony Tudor, que lhe salientou as nuances poéticas dos movimentos, mesmo sob o rigor acadêmico.
O prazer de conviver com as diversidades, ela o estendeu ao seu elenco, que reúne bailarinos vindos de diversas partes do mundo. Como os personagens de Fellini, com o qual ela trabalhou no filme E La Nave Vá, sua companhia reúne tipos singulares, que conseguem espelhar incoerências individuais e coletivas. Embora muitas vezes se limitem a falar textos desconexos, chorar, cantar e gritar, os intépretes e Bausch são, acima de tudo, bailarinos.
Por causa da relação especial que mantêm com o corpo, o bailarino, na opinião de Bausch, sabe ser natural. É por isso que ela não se interessa em trabalhar com atores, que sempre se projetam para o exterior. Bailarinos, afirma Bausch, conseguem ser eles mesmos e lidar melhor, em cena, com emoções mais autênticas. Para ela, isso garante a simplicidade – algo que ela persegue permanentemente em seus espetáculos.
BRAVO! Outubro / 1998.
“Eu não me interesso em como fazer um movimento, mas em porquê”. A frase da coreógrafa Pina Bausch é a síntese perfeita de sua obra, consolidada em 25 à frente do Tanztheater Wuppertal, na Alemanha. A data é comemorada neste mês com uma grande festa, que durante 20 dias vai reunir várias companhias, entre as quais a belga Rosas, o bailarino Mikhail Baryschnikov, grupos de hip-hop alemães e franceses e até o cantor Caetano Veloso. Todos os artistas vão se apresentar sem cobrar cachê, como um presente a Bausch.
A variedade dos convivas, que à primeira vista pode parecer inconciliáveis, retrata com fidelidade a personalidade da coreógrafa, que transformou os rumos da dança no século 20. O seu gosto pela diversidade se reflete também na origem dos 25 bailarinos da companhia, vindos de 15 países diferentes. No palco, eles cantam, respiram, choram, arremetem contra a parede e falam, muitas vezes em sua língua natal. Por isso é comum escutar textos em português, graças às presenças das bailarinas brasileiras Regina Advento e Ruth Amarante.
É claro, os bailarinos também dançam – sobre terra, água, flores, grama, granito, tijolos, porque, diz Bausch, “eu gosto de ver a interferência desses elementos orgânicos no movimento” -, ainda que na dança-teatro da coreógrafa o importante não seja apenas a dança. Bausch trata, em suas 30 peças à frente da companhia Wuppertal, de questões existenciais, como a solidão, mas também o amor e a alegria: afinal, diz ela, é preciso contrabalançar a tristeza do mundo. Além dos temas, os cenários deslumbrantes, mas simples, sem o uso de recursos tecnológicos sofisticados, põem o bailarino em primeiro plano, construindo um teatro centrado essencialmente no humano. Foi sobre esse trabalho, a festa de 25 anos e a possibilidade de criar uma peça sobre o Brasil que pina Bausch falou, com exclusividade a BRAVO!, em Estocolmo, durante a temporada de seu grupo na capital cultural da Europa de 1998.
BRAVO!: Há planos de o tanztheater Wuppertal fazer uma co-produção com o Instituto Goethe, de São Paulo, sobre a capital paulista?
Pina Bausch: De fato, alguém teve essa idéia, não sei exatamente quem, mas eu gostaria muito de poder fazer algo sobre o Brasil. É uma linda possibilidade, ainda não muito realista, porque não temos dinheiro para isso. Seria interessante se pudéssemos fazê-lo no ano 2000, em virtude das comemorações que serão realizadas no Brasil, mas já não é mais possível, pois fazemos uma co-produção com a cidade de Budapeste. Talvez seja possível para 2001. É uma proposta que eu gostaria de concretizar – passar um tempo no Brasil criando uma peça. São Paulo é uma cidade de que gosto muito.
A sua festa de 25 anos à frente do Tanztheater Wuppertal reúne artistas que vão desde baryschnikov a grupos de hip-hop franceses e alemães. Como a sra. Classifica essa variedade de convivas?
Eu não classifico nada em minha vida. É apenas uma festa de parte do que eu gosto, e eu gosto de tantas coisas... Acho que esse é um momento muito especial e por isso uma ótima razão para convidar todas essas companhias e também trazer públicos diferentes para o teatro.
Mas a sra. Ouve e vê hip-hop?
Sim, algumas vezes, quando tenho a possibilidade, em vídeo ou na televisão. É um movimento do break-dance incrível, e eles são dançarinos maravilhosos.
A coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker, da companhia belga Rosas, tinha uma linha de trabalho muito próxima da sua, mas agora faz um trabalho bem diferente. A sra. Tem acompanhado a carreira dela?
Nos últimos anos, não tive oportunidade de assistir aos espetáculos dela. Estamos sempre nos mesmos festivais, mês em dias diferentes. Nos encontramos às vezes, e ela já me convidou para dar aulas na escola dela (P.A.R.T.S.). É uma questão de tempo. Mas temos trabalhos muito diferentes, pois ela sempre tatua com música ao vivo, e isso influencia muito no que se faz. Eu uso música gravada, de toda parte do mundo.
Como é o processo de seleção dessas músicas?
Tenho dias pessoas encarregadas disso, especialistas em encontrar músicas. Mas a todos os meus amigos, aos bailarinos, a todo mundo pergunto sobre músicas bonitas. Contudo, a decisão é sempre minha: de faço, eu faço a música.
Na festa também estará presente Caetano Veloso, mas não há músicas dele em suas peças.
Ainda não (risos).
Mas há alguma canção dele em especial que a senhora tenha em vista?
Há tantas canções especiais! Nos encontramos pela primeira vez no ano passado, no Rio de Janeiro, e ele foi muito aberto a toda a companhia. Seria ótimo tê-lo em nossa festa.
A sra. Participou do filme E La Nave Vá, do diretor italiano Federico Fellini. Como foi a experiência?
Ele assistiu a várias peças e um dia disse que queria me convidar para participar do filme. Não acreditei que ele tinha me escolhido, pois há tantas mulheres lindas na companhia. Mas ele realmente queria a mim. Tempos depois eu entendi o porquê: Fellini me deu um de seus desenhos – ele sempre desenhou previamente as cenas – e, de fato, ele já havia me desenhado antes de nos conhecermos. Quando me viu, ficou claro que era de mim que ele precisava, pois, sem me conhecer, já havia me desenhado.
É uma incrível coincidência, pois sua personagem no filme é uma princesa cega, e isso acontece justamente depois da criação da peça Café Muller, em que a sra. dançava de olhos fechados!
Eu acho que foi uma enorme coincidência, mas não sei exatamente, pois ele não mostrava o script antes das cenas, apenas durante a maquiagem e, se algo o inspirava, ele alterava durante a gravação, o que chegou a acontecer comigo.
Mas ele dava espaço para improvisações, como a sra. faz, na criação?
Não, de forma alguma. Ele mostrava exatamente como queria que as cenas fossem feitas. Eu não sabia, no começo, como ele trabalhava e me surpreendi com isso! Ele dizia apenas no local das filmagens como as pessoas deveriam atuar.
A sra. já disse que cria peças pra falar sobre algo que tenha urgência. Sua peça mais recente, Mazurca Fogo, Trata essencialmente de amor, romantismo, alegria. É sobre esses sentimentos que a sra. acha urgente falar agora?
A questão é: do que o mundo precisa hoje, do que precisamos? Bem, eu fico tímida ao falar das minhas peças, do que faço, as claro que esses temas não surgiram por coincidência. Tudo é muito pensado, e reflete energias, sentimentos que estão juntos. Para mim pe o que realmente é necessário, ver certas ironias, rir de alguma coisa, ter um certo prazer. Estamos num terrível, tenebroso, sério e assustador momento. Então, procuro dar um pouco de balanço, de compensação a tudo isso.
Numa apresentação de O Limpador de Vidraças, uma criança de 7 anos divertiu-se o tempo todo, rindo, cantando, dançando. A sra. defende o teatro como m espaço para trazer nossas recordações de infância...
Sim, afinal nossa infância é nossa história. De fato, nossa infância é importante para nós, para cada um de nós, mas as peças não são sobre mim, e sim sobre nós. Pode-se assistir a elas por tantos lados, ao há um caminho: assista assim ou dessa forma. Deve-se estar livre, e confiar em si próprio, no que se seta sentindo quando se vê a peça. E, quando se vê mais vezes, ela muda, da mesma forma que mudamos nossos sentimentos, e isto se reflete na visão. Eu acho que uma peça deve ser tão aberta para mim quanto para os outros, para que cada uma possa construir sua própria peça nela.
A sra. assiste a todas as suas apresentações de sua companhia, o que a impede de aceitar convites para coreografar outros grupos. Qual a razão de sua presença permanente?
Eu mesma não sei exatamente, mas para mim isso sempre foi necessário. Alguém têm de estar lá para cuidar das peças, dos detalhes, há sempre milhões de detalhes. Senão, as produções vão mudado pouco a pouco. E também há diferentes palcos, teatros, e em cada lugar precisamos nos sentir como em casa, que é o nosso lugar. E nunca encontrei ninguém que pudesse cuidar disso. Além do mais, eu acho que foi o meu sentimento que organizou as peças e por isso tenho de estar lá, fazendo as críticas. E todo mudo trabalha tanto, que ‘tomar conta’ é muito importante. Tomar conta é sempre necessário, seja numa relação de amizade ou em qualquer outra.
Mas a sra. aceitou o convite para dirigir uma ópera, em julho, no mais recente estival de Aix-en-Provence.
Sim, durante as minhas três semanas de férias! Mas foi um convite irrecusável do Pierre Boulez, um maestro fantástico. E ele me propôs fazer O Barba-Azul, o que foi uma honra inacreditável. Sempre quis encontrá-lo e estar em contato com ele, o que foi muito bonito. Antes, O Barba-Azul tinha alguns cortes, e pela primeira vez foi apresentado na íntegra. E, em verdade, me pareceu uma obra completamente diferente, com um homem tão diferente, um Barba-Azul tão bom, Istoé, no que ele pode ser bom, uma pessoa tão triste, nem parecia o Barba-Azul.
E qual a diferença na montagem do Barba-azul que a sra. criou em Wuppertal, em 1977?
Quando fiz O Barba-Azul com o Tanztheater Wuppertal usei um gravador em cena que podia reproduzir a música alta ou baixa, ou mesmo voltar várias vezes. Na ópera, tive de aprender um monte de coisas como: não fazer muito barulho em cena para não atrapalhar a orquestra, ou que os cantores querem olhar para o público. Foi como fazer uma série de acordos. E o tempo de preparação foi um pouco curto, apenas três semanas.
Pelo processo de criação que desenvolveu, a sra. consegue obter de cada bailarino aquilo que ele sabe fazer de melhor. Como é esse processo?
Eu tenho com cada um uma relação muito especial, baseada no respeito. Mas explicar o processo é muito difícil. Pode-se falar de uma forma técnica o que faço, mas a real intenção pela qual escolho uma cena não tem explicação. E, quando vejo algo que me agrada, é como se isso já pertencesse ao que eu procurava, é o que eu queria ver. Também sempre há coisas que me deixam insegura: quando começo uma peça, nunca sei exatamente aonde vai dar. E são os bailarinos que me fornecem esse material: às vezes, uma palavra, ou mesmo uma pequena fração de movimento. Eles criam algo, e peço para repetirem apenas uma pequena parte, e eles mesmos se surpreendem com a minha escolha. É muito engraçado porque, no início, é como se eu não soubesse: já estava lá, mas não tinha forma. Mas se você me perguntar como, eu não sei.
UM TEATRO DO MOVIMENTO
Dança de Pina Bausch é nova forma de espetáculo.
Por Ana Francisca Ponzio.
Ao som de uma colagem musical que inclui Beethoven, Mozart e árias italianas antigas, cantadas por Benjamino Gigli, uma mulher vive um caso de amor com um hipopótamo. Situações como essa, moldadas para estimular a reflexão sobre as impossibilidades nos relacionamentos humanos, compõem o repertório de Pina Bausch, a coreógrafa alemã que inventou uma nova forma de espetáculo e cuja obra já é um clássico do século 20.
Em Árias, a criação de 1979 que relacionou o monumental paquiderme á condição humana, assim como em suas demais obras, Bausch explora histórias expressivas de um mundo cruel, cínico e violento, que, contudo não deixa de incluir o humor e a esperança. “De certa forma, meu trabalho é uma longa e única peça”, costuma dizer a coreógrafa que subverteu os códigos convencionais da dança para desenvolver uma linguagem teatralizada, sustentada pela expressão gestual que, mesmo quando reduzida ao mínimo de movimentos, sempre consegue tocar o essencial.
Segundo Bausch, a perda do movimento e da dança, em seus espetáculos, é apenas aparente. “Tenho imenso respeito pela dança e é por isso que a utilizo moderadamente”, ela disse à italiana Leonetta Bentivoglio, autora de um livro sobre a coreógrafa. “A dança está presente em mina obra, mas não é mostrada diretamente”. Diria que os movimentos utilizados são tão simples que nos fazem pensar que não constituem uma dança. Mas, para mim, é o inverso. Credito que á muita dança no trabalho de meus intérpretes, mesmo quando eles não se mexem”.
Rejeitando mensagens, os espetáculos de Bausch propõem questões abertas. Com sua visão subjetiva das relações humanas, ela estimula percepções diferentes de um mesmo tema como se algo pudesse ser visto de diversas formas, dependendo das circunstâncias.Com isso, a mesma obra pode adquirir múltiplos significados a cada nova apresentação. Eterna investigadora do movimento, Bausch já desafiou seu elenco a atuar em palcos recobertos por terra, água, troncos de arvores, milhares de cravos ou perante um muro que desmorona repentinamente. Ela explica que essa impressão de desordem dá os bailarinos consciência da realidade, mantendo-os em estado de atenção permanente. “Amo o real. A vida jamais se compara a um chão feito para dança, liso e seguro... Amo a relação da natureza com a dança. O passo de um dançarino sobre a grama ou sobre a terra fresca é completamente diferente, e sua maneira de ser e de se movimentar se transforma”, diz.
No vocabulário singular de Bausch, que disseminou influências e gerou legiões de imitadores, transitam elementos mais próximos do teatro do que da coreografia. Entretanto, os integrantes de seu elenco treinam rotineiramente a técnica do balé clássico, nunca utilizada como molde, mas como um recurso integrado à polivalência expressiva. Durante seus processos criativos, ela também cerca seu elenco de perguntas, relativas tanto à vida cotidiana como ao imaginário de cada um. De tais exercícios, recolhe reações particulares que, em conjunto, refletem as contradições do comportamento humano. Pouco a pouco, ela constrói uma organização dramática, marcada por ações repetitivas e narrativas descontínuas.
A atração pela subjetividade, que a faz somar a seus espetáculos as características e contribuições individuais dos bailarinos, vem de Kurt Jooss (1901-1979) – o precursor da nova dança alemã surgida no pós-guerra -, com quem Bausch trabalhou como assistente na escola Folkwang, dirigida por ele na cidade de Essen. Nascida em 1940, em Solingen, Bausch se deleitava na infância, com as pessoas e situações que observava no restaurante de seu pai. “É uma bagagem que jamais perdi”, diz. Aos 14 anos, quando ingressou na escola fundada por Jooss, ela teve a oportunidade de estudar diversas modalidades de dança, da clássica à folclórica, além de disciplinas integradas, como música, teatro, canto, fotografia, artes plásticas.
Em 1959, quando se mudou para Nova York, onde viveu durante dois anos, Pina também se encantou com o caráter multifacetado da cidade. Durante este intenso período, ela estudou na Juilliard School of Music, dançou nas companhias de Paul Sanazardo, Donya Feuer e Paul Taylor, e também fez parte dos elencos do New American Ballet e do Metropolitan Opera Ballet, na época dirigido pelo coreógrafo britânico Antony Tudor, que lhe salientou as nuances poéticas dos movimentos, mesmo sob o rigor acadêmico.
O prazer de conviver com as diversidades, ela o estendeu ao seu elenco, que reúne bailarinos vindos de diversas partes do mundo. Como os personagens de Fellini, com o qual ela trabalhou no filme E La Nave Vá, sua companhia reúne tipos singulares, que conseguem espelhar incoerências individuais e coletivas. Embora muitas vezes se limitem a falar textos desconexos, chorar, cantar e gritar, os intépretes e Bausch são, acima de tudo, bailarinos.
Por causa da relação especial que mantêm com o corpo, o bailarino, na opinião de Bausch, sabe ser natural. É por isso que ela não se interessa em trabalhar com atores, que sempre se projetam para o exterior. Bailarinos, afirma Bausch, conseguem ser eles mesmos e lidar melhor, em cena, com emoções mais autênticas. Para ela, isso garante a simplicidade – algo que ela persegue permanentemente em seus espetáculos.
VIDA QUE SE MOVE
A BAILARINA E COREÓGRAFA ALEMà PINA BAUSCH TRAZ AO PAÍS “PARA AS CRIANÇAS DE ONTEM, HOJE E AMANHÔ, ESPETÁCULO EM QUE BUSCA REENCONTRAR OS SONHOS DA INFÃNCIA.
POR FERNANDO EICHENBERG, DE PARIS.
Criança, a bailarina e coreógrafa alemã Pina Bausch costumava permanecer acordada até tarde da noite e passava boa parte do tempo sob as mesas do café-restaurante do pequeno hotel administrado por seus pais, August e Anita, na cidade de Solingen, onde nasceu. De seu semi-esconderijo, observava atentamente as relações em sua intensidade cotidiana: encontros e desencontros, casais que brigavam ou se apaixonavam, a força do amor que podia provocar mal-entendidos, a atração repentina ou mesmo a perda de um emprego. “Havia tantas pessoas, tantas coisas estranhas se passavam, a vida acontecia”, disse certa vez.
A menina cresceu e, do assoalho para as novas dimensões da vida adulta, suas perspectivas do mundo se ampliaram. Como coreógrafa, Pina Bausch revolucionou a arte da dança contemporânea do século 20 e se impôs nos palcos internacionais com um estilo próprio de dança-teatro, o seu tanztheater. A menina de Solingen e a hoje artista de 66 anos recém-completados guardaram pelo menos um traço em comum: o interesse pela condição humana. “Tudo é tão forte. Eu gosto de olhar, sentir as coisas, e dar uma forma a tudo isso por meio de meu trabalho, deixar a vida e o amor emergir”, diz em entrevista a BRAVO!, num final de manhã em Paris, a silhueta esguia e longilínea acomodada numa das poltronas da platéia deserta do Théâtre de la Ville, escala da turnê de seu espetáculo Rough Cut.
A vida condensada em suas conexões humanas, com suas ambivalências, imperfeições, sofrimentos e alegrias é o leitmotiv das criações de Pina Bausch, encenadas pela sua companhia Tanztheater Wuppertal, com sede na pequena Wuppertal, uma cidade chuvosa do vale do Ruhr, próxima a Colônia. Conhecida do público brasileiro por diferentes turnês e mesmo um período de residência no país, que inspirou o espetáculo Água (2001), a coreógrafa traz a São Paulo e Porto Alegre mais um de seus trabalhos, Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã (2002).
A coreografia não é sobre crianças, mas uma tentativa de reencontrar por meio delas a imaginação, os sonhos e a credibilidade da infância. Em meio ao cenário composto de três imensos muros brancos, móveis e perfurados por duas grandes portas, 14 bailarinos dançam, brincam e se arriscam de forma ao mesmo tempo perigosa e lúdica em contrapontos ente o imaginário infantil e a difícil passagem para a vida adulta. “Crianças são tão sensíveis, frágeis. Não tenho palavras para o sofrimento delas em tantas partes do mundo. Experiências que provavelmente não desaparecerão tão facilmente”, diz. Mas, fiel ao seu otimismo-realista, ela abre espaço para um futuro menos dolorido: “Como podemos continuar com isso, como podemos manter a esperança? Se você puder rir já é algo, uma esperança”.
A EXPRESSÃO DO COTIDIANO
A formação de Pina Bausch inicia aos 14 anos, na Escola Folkwang de Essen, dirigida pelo célebre coreógrafo Kurt Joos, um dos fundadores do movimento de dança expressionista alemão, que combinava música e encenação dramática. Em 1959, embarcou sozinha num navio rumo aos Estados Unidos, admitida num programa de intercâmbio de estudantes. Na Juilliard School of Music de Nova York, onde permaneceu dois anos, estudou com nomes importantes da dança como Antony Tudor, José Limon ou Paul Taylor. Na mesma época, dançou com as companhias de Paul Sanasardo e Donya Feuer e integrou o New American Ballet e o Metropolitan Opera Ballet. De volta à Alemanha, em 1962, dançou como solista no Folkwang Ballet, até realizar sua primeira coreografia, Fragment, em 1968. Em 1972, aceitou a direção do Wuppertal Opera Ballet, mais tarde rebatizado de Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, berço de suas singulares criações.
Uma de suas frases é constantemente lembrada para definir um dos pilares de seu trabalho: “Não me interesso em como as pessoas se movem, mas no que faz elas se moverem”. Pina Bausch cavou seu próprio afluente da Audrucktanz, a “dança expressiva”, estilo bastante popular nos anos 20 que busca o gestual cotidiano para exprimir experiências pessoais, e desaguou na sua dança teatralizada. Suas versões das Óperas de Gluck Ifigênia em Táuris (1974) e Orfeu e Eurídice (1975) acentuam a carga dramática em detrimento da narração, e sua montagem de O Barba-Azul (1977), livre criação da ópera de Bela Bartók, é considerada um marco em direção á força teatral de suas coreografias.
Café Müller, baseado em memórias paternas, Kontakthof (ambas de 1978) e Nelken (1982) são três de seus espetáculos conhecidos que apontam para os contornos de sua obra: solidão, incomunicabilidade, violência, nostalgia, melancolia, afeto, amor e felicidade formam mosaicos no décor povoado ou desabitado, estático ou em movimento, silencioso ou musicado de suas criações. Suas peças provocam, instigam sem fornecer respostas, e privilegiam a emoção por meio da estética e do drama. “Quando vou assistir a uma peça, quero sentir algo. Não quero só estar lá, ver o que vai ou não acontecer. Eu vou para ver e sentir”, afirma. Para fazer sentir, ela utiliza relações de ritmo e de humor com recursos coreográficos e teatrais, solos ou curiosos esquetes, elementos naturais (água, areia, grama, flores) misturados aos corpos dos bailarinos em paisagens projetadas pelo cenógrafo Peter Pabst, sucessor do falecido Rolf Borzik.
RESIDÊNCIAS
A partir da década de 1980, o laboratório de criação de Pina Bausch expandiu fronteiras. Estágios de pesquisa em diferentes cidades e países passaram a alimentar suas inspirações. O método de residência foi inaugurado com Viktor (1982), em Roma, e prosseguiu com Palermo, Palermo (1989), em Palermo e Sicília; Tanzabend II (1991), em Madri; Uma Tragédia (1994), em Viena; Nur Du (1996), em Los Angeles; O Limpador de Vidraças (1997), em Hong Kong; Masurca Fogo (1998), em Lisboa; O Dido (1999), novamente em Roma; Wiesenland (2000), em Budapeste; Água (2001), no Brasil; Nefés (2003), em Istambul; Tem Chi (2004), no Japão, e Rough Cut (2005), na Coréia do sul. A próxima fonte de uma futura criação será a Índia, com viagens programada para Calcutá e a região de Kerala.
“Quando fizemos isso pela primeira vez, estava assustada e me perguntava ‘de que forma se pode fazer algo sobre Roma’. No início, eu era contra, mas acabei me deixando integrar, ver o que acontece. E foi uma experiência incrível, tantas portas se abriram, a música, as pessoas, situações, você entra em tantas coisas. E fiquei totalmente surpresa com o que surgiu, meu desejo era o de continuar em todas as direções”. A excitação provocada, no entanto, sempre vem acompanhada de uma forte apreensão; “É aterrorizante, porque não sabemos o que estamos fazendo. É chegar e ver o que acontece. Eu sofro muito, pois sei que o que acaba saindo é uma parte muito pequena do todo. E temos uma data de estréia marcada, mas não há peça, não há música, não há set, só há nós, a companhia e a vida. Eu me ponho muito aberta, e procuro coisas como uma criança. Eu me divirto, é bonito, mas dá medo”.
A ansiedade precede todo trabalho seu, pois, no início de cada criação, ela confessa nunca saber para onde esta indo. “Sinto angústia, é algo sério. Mas de alguma forma sei o que estou buscando, embora não em imagens ou palavras. Mas há esse sentimento, porque de repente uma pequena coisa aparece e sei que pertence á imagem que procuro. Mas como explicar? É tão delicado, tão íntimo. Não saberia encontrar a palavra certa para isso. Então não digo nada. Prefiro apenas ter a esperança em algo”. Bailarina e coreógrafa, Pina Bausch aprecia sonhar, mas com os pés no chão: “Sou uma otimista, mas não sonhadora, sou realista. Talvez eu deseje muito, mas no domínio do possível, do que pode acontecer”.
ONDE E QUANDO
Para as Crianças de Ontem, hoje e Amanhã. Direção artística e coreografia de Pina Bausch. Cenografia de Peter Pabst, figurino de Marion Cito. Música de Félix Lajko, Naná Vasconcelos, Caetano Veloso, Bugge Wesseltoft, entre outros. São Paulo: Teatro Alfa (rua Bento branco de Andrade Filho, 722, tel. 0++/11/ 5693-4000). 2ª a sáb., às 21h; dom, às 18h. De 28 a 31/8 e 1° a 3/9. R$ 30 (setor 4), R$ 100 (setor 3), R$ 150 (setor 2) e R$ 200 (setor 1). Mais informações: www.teatroalfa.com.br. Porto Alegre: Teatro do Sesi (av. Assis Brasil, 8.787, tel. 0++/ 51/ 3347-8786). 5ª e 6ª, ás 21h. Dias 7 e 8/9. R$ 20. Estudante paga meã entrada. Mais informações no site www.poaemcena.com.br.
POR FERNANDO EICHENBERG, DE PARIS.
Criança, a bailarina e coreógrafa alemã Pina Bausch costumava permanecer acordada até tarde da noite e passava boa parte do tempo sob as mesas do café-restaurante do pequeno hotel administrado por seus pais, August e Anita, na cidade de Solingen, onde nasceu. De seu semi-esconderijo, observava atentamente as relações em sua intensidade cotidiana: encontros e desencontros, casais que brigavam ou se apaixonavam, a força do amor que podia provocar mal-entendidos, a atração repentina ou mesmo a perda de um emprego. “Havia tantas pessoas, tantas coisas estranhas se passavam, a vida acontecia”, disse certa vez.
A menina cresceu e, do assoalho para as novas dimensões da vida adulta, suas perspectivas do mundo se ampliaram. Como coreógrafa, Pina Bausch revolucionou a arte da dança contemporânea do século 20 e se impôs nos palcos internacionais com um estilo próprio de dança-teatro, o seu tanztheater. A menina de Solingen e a hoje artista de 66 anos recém-completados guardaram pelo menos um traço em comum: o interesse pela condição humana. “Tudo é tão forte. Eu gosto de olhar, sentir as coisas, e dar uma forma a tudo isso por meio de meu trabalho, deixar a vida e o amor emergir”, diz em entrevista a BRAVO!, num final de manhã em Paris, a silhueta esguia e longilínea acomodada numa das poltronas da platéia deserta do Théâtre de la Ville, escala da turnê de seu espetáculo Rough Cut.
A vida condensada em suas conexões humanas, com suas ambivalências, imperfeições, sofrimentos e alegrias é o leitmotiv das criações de Pina Bausch, encenadas pela sua companhia Tanztheater Wuppertal, com sede na pequena Wuppertal, uma cidade chuvosa do vale do Ruhr, próxima a Colônia. Conhecida do público brasileiro por diferentes turnês e mesmo um período de residência no país, que inspirou o espetáculo Água (2001), a coreógrafa traz a São Paulo e Porto Alegre mais um de seus trabalhos, Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã (2002).
A coreografia não é sobre crianças, mas uma tentativa de reencontrar por meio delas a imaginação, os sonhos e a credibilidade da infância. Em meio ao cenário composto de três imensos muros brancos, móveis e perfurados por duas grandes portas, 14 bailarinos dançam, brincam e se arriscam de forma ao mesmo tempo perigosa e lúdica em contrapontos ente o imaginário infantil e a difícil passagem para a vida adulta. “Crianças são tão sensíveis, frágeis. Não tenho palavras para o sofrimento delas em tantas partes do mundo. Experiências que provavelmente não desaparecerão tão facilmente”, diz. Mas, fiel ao seu otimismo-realista, ela abre espaço para um futuro menos dolorido: “Como podemos continuar com isso, como podemos manter a esperança? Se você puder rir já é algo, uma esperança”.
A EXPRESSÃO DO COTIDIANO
A formação de Pina Bausch inicia aos 14 anos, na Escola Folkwang de Essen, dirigida pelo célebre coreógrafo Kurt Joos, um dos fundadores do movimento de dança expressionista alemão, que combinava música e encenação dramática. Em 1959, embarcou sozinha num navio rumo aos Estados Unidos, admitida num programa de intercâmbio de estudantes. Na Juilliard School of Music de Nova York, onde permaneceu dois anos, estudou com nomes importantes da dança como Antony Tudor, José Limon ou Paul Taylor. Na mesma época, dançou com as companhias de Paul Sanasardo e Donya Feuer e integrou o New American Ballet e o Metropolitan Opera Ballet. De volta à Alemanha, em 1962, dançou como solista no Folkwang Ballet, até realizar sua primeira coreografia, Fragment, em 1968. Em 1972, aceitou a direção do Wuppertal Opera Ballet, mais tarde rebatizado de Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, berço de suas singulares criações.
Uma de suas frases é constantemente lembrada para definir um dos pilares de seu trabalho: “Não me interesso em como as pessoas se movem, mas no que faz elas se moverem”. Pina Bausch cavou seu próprio afluente da Audrucktanz, a “dança expressiva”, estilo bastante popular nos anos 20 que busca o gestual cotidiano para exprimir experiências pessoais, e desaguou na sua dança teatralizada. Suas versões das Óperas de Gluck Ifigênia em Táuris (1974) e Orfeu e Eurídice (1975) acentuam a carga dramática em detrimento da narração, e sua montagem de O Barba-Azul (1977), livre criação da ópera de Bela Bartók, é considerada um marco em direção á força teatral de suas coreografias.
Café Müller, baseado em memórias paternas, Kontakthof (ambas de 1978) e Nelken (1982) são três de seus espetáculos conhecidos que apontam para os contornos de sua obra: solidão, incomunicabilidade, violência, nostalgia, melancolia, afeto, amor e felicidade formam mosaicos no décor povoado ou desabitado, estático ou em movimento, silencioso ou musicado de suas criações. Suas peças provocam, instigam sem fornecer respostas, e privilegiam a emoção por meio da estética e do drama. “Quando vou assistir a uma peça, quero sentir algo. Não quero só estar lá, ver o que vai ou não acontecer. Eu vou para ver e sentir”, afirma. Para fazer sentir, ela utiliza relações de ritmo e de humor com recursos coreográficos e teatrais, solos ou curiosos esquetes, elementos naturais (água, areia, grama, flores) misturados aos corpos dos bailarinos em paisagens projetadas pelo cenógrafo Peter Pabst, sucessor do falecido Rolf Borzik.
RESIDÊNCIAS
A partir da década de 1980, o laboratório de criação de Pina Bausch expandiu fronteiras. Estágios de pesquisa em diferentes cidades e países passaram a alimentar suas inspirações. O método de residência foi inaugurado com Viktor (1982), em Roma, e prosseguiu com Palermo, Palermo (1989), em Palermo e Sicília; Tanzabend II (1991), em Madri; Uma Tragédia (1994), em Viena; Nur Du (1996), em Los Angeles; O Limpador de Vidraças (1997), em Hong Kong; Masurca Fogo (1998), em Lisboa; O Dido (1999), novamente em Roma; Wiesenland (2000), em Budapeste; Água (2001), no Brasil; Nefés (2003), em Istambul; Tem Chi (2004), no Japão, e Rough Cut (2005), na Coréia do sul. A próxima fonte de uma futura criação será a Índia, com viagens programada para Calcutá e a região de Kerala.
“Quando fizemos isso pela primeira vez, estava assustada e me perguntava ‘de que forma se pode fazer algo sobre Roma’. No início, eu era contra, mas acabei me deixando integrar, ver o que acontece. E foi uma experiência incrível, tantas portas se abriram, a música, as pessoas, situações, você entra em tantas coisas. E fiquei totalmente surpresa com o que surgiu, meu desejo era o de continuar em todas as direções”. A excitação provocada, no entanto, sempre vem acompanhada de uma forte apreensão; “É aterrorizante, porque não sabemos o que estamos fazendo. É chegar e ver o que acontece. Eu sofro muito, pois sei que o que acaba saindo é uma parte muito pequena do todo. E temos uma data de estréia marcada, mas não há peça, não há música, não há set, só há nós, a companhia e a vida. Eu me ponho muito aberta, e procuro coisas como uma criança. Eu me divirto, é bonito, mas dá medo”.
A ansiedade precede todo trabalho seu, pois, no início de cada criação, ela confessa nunca saber para onde esta indo. “Sinto angústia, é algo sério. Mas de alguma forma sei o que estou buscando, embora não em imagens ou palavras. Mas há esse sentimento, porque de repente uma pequena coisa aparece e sei que pertence á imagem que procuro. Mas como explicar? É tão delicado, tão íntimo. Não saberia encontrar a palavra certa para isso. Então não digo nada. Prefiro apenas ter a esperança em algo”. Bailarina e coreógrafa, Pina Bausch aprecia sonhar, mas com os pés no chão: “Sou uma otimista, mas não sonhadora, sou realista. Talvez eu deseje muito, mas no domínio do possível, do que pode acontecer”.
ONDE E QUANDO
Para as Crianças de Ontem, hoje e Amanhã. Direção artística e coreografia de Pina Bausch. Cenografia de Peter Pabst, figurino de Marion Cito. Música de Félix Lajko, Naná Vasconcelos, Caetano Veloso, Bugge Wesseltoft, entre outros. São Paulo: Teatro Alfa (rua Bento branco de Andrade Filho, 722, tel. 0++/11/ 5693-4000). 2ª a sáb., às 21h; dom, às 18h. De 28 a 31/8 e 1° a 3/9. R$ 30 (setor 4), R$ 100 (setor 3), R$ 150 (setor 2) e R$ 200 (setor 1). Mais informações: www.teatroalfa.com.br. Porto Alegre: Teatro do Sesi (av. Assis Brasil, 8.787, tel. 0++/ 51/ 3347-8786). 5ª e 6ª, ás 21h. Dias 7 e 8/9. R$ 20. Estudante paga meã entrada. Mais informações no site www.poaemcena.com.br.
Solo para Pina Bausch - Caetano Veloso brilha em festival da coreógrafa alemã
Wuppertal, Alemanha - O doce bárbaro de Santo Amaro fechou sua turnê européia de 2001 participando no dia 14 de outubro do festival internacional de cultura organizado pela prestigiada coreógrafa Pina Bausch e sua companhia, o Wuppertaler Tanztheater. Caetano, que já tinha sido em 1998 uma das maiores estrelas das comemorações dos 25 anos do grupo de Pina, fez um show solo em que se deu ao requinte de interpretar canções em francês, italiano, espanhol, inglês e, claro, português, encantando do começo ao fim uma platéia tão serena, quanto extasiada
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Era uma homenagem das mais condizentes à essa artista que possui bailarinos das mais diversas partes do mundo e que surpreende Caetano desde a montagem que ele assistiu anos atrás de «Um Grito Ouviu-se na Montanha», no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. «Fiquei completamente apaixonado pelo espírito da obra dela, que tem uma vida impressionante, rara em artes da representação», afirmou Caetano, que já tinha gravado a marchinha carnavalesca «Dama das Camélias», de Braguinha e Alcir Pires Vermelho, como um tributo à Pina em seu álbum «Omaggio a Federico e Giulietta», de 1999.
O festival deste ano, que aconteceu de 12 a 28 de outubro, trouxe como destaques o coreógrafo e dançarino japonês Saburo Teshigawara, o violinista húngaro Félix Lajkó, além do diretor espanhol Pedro Almodóvar, que terá três de seus filmes exibidos no evento. Outro brasileiro convidado por Pina Bausch para a mostra de cultura foi o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos. Vários espetáculos de Pina foram reapresentados como «Os Sete Pecados Capitais», «Venha Dançar Comigo», «O Dido», além da sua última peça, inspirada no Brasil, que ela vem apresentando pelo mundo afora com sucesso.
Carisma à toda prova
O show de Caetano Veloso bem que poderia ter durado mais do que os seus setenta minutos. A platéia que lotou os setecentos lugares da Schauspielhaus pagou cerca de oitenta reais pelo ingresso e parecia não querer voltar mais para casa, depois que ouviu «Coração Vagabundo», «Cajuína», «Menino do Rio», «Terra» e a porto-riquenha «Lamento Borincano», dentre outras. A inclusão no roteiro de «Manhatã», composição que Caetano escreveu sobre Manhattan, Nova York, extraída do disco Livro, de 1997, foi muito oportuna, dando densidade comovente ao concerto, com seus versos tornados mais trágicos depois dos ataques ao World Trade Center: «todos os homens do mundo/ voltaram os seus olhos para aquela direção» (...) «e aqui dançam guerras/ no meio da paz das moradas de amor».
Caetano iniciou sua performance com muita timidez, mas a reverência a Bertolt Brecht e Kurt Weill com Stars Fall on Alabama já insinuava que o tropicalista estava afiado para o evento. E o cenário não poderia ter sido mais feliz, com um rochedo litorâneo criado por Peter Pabst para Masurca Fogo, peça encenada minutos antes. Ali, como que à beira-mar, Caetano foi de «Qualquer Coisa» a «Leãozinho», espalhando aquele sorriso largo que os caricaturistas tanto adoram. Desacostumado com tanta passividade da platéia, o artista começou a instigar os poucos brasileiros presentes a subverter o silêncio do público, no que foi atendido prontamente.
O grande momento da noite nasceu de um comentário que Caetano fez para Peter Pabst à época em que ele tinha assistido Masurca Fogo pela primeira vez, em São Paulo. O cantor e compositor baiano tinha imaginado que cantava «Garota de Ipanema» na cena em que as bailarinas do espetáculo aparecem deitadas sobre o rochedo. Resultado: o coreógrafo topou com entusiasmo a sugestão involuntária de Caetano e quando o músico começou a cantar o clássico de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, as meninas de Pina reentraram no palco para se banhar ao sol sobre as pedras do cenário. A platéia foi ao delírio e com ela um Caetano em total estado de graça.
Pina Bausch nasceu em 1940, na cidade de Solingen. Com a sua coreografia, levou a dança para fora de suas velhas formas e, como diretora do Tanztheater da cidade de Wuppertal, cunhou o novo conceito de dança-teatro. Entre 1955 e 1958, estudou e formou-se em dança na Escola Folkwang da cidade de Essen, sob direção de Kurt Jooss. Entre 1959 e 1962, estudou dança nos EUA, onde trabalhou, entre outros, com Paul Taylor e Antony Tudora. Em 1962, retorna à Alemanha a pedido de Kurt Jooss e torna-se bailarina no Folkwang-Ballett recém-inaugurado por ele. Em 1968, realiza sua primeira coreografia para o Folkwang-Ballett: “Fragment”. Entre 1969 e 1973, foi diretora artística, coreógrafa e bailarina do Estúdio de Dança Folkwang (1971),“Aktionen für Tänzer”, 1972 “Thannhäuser”, “Bacchanals”). Em 1980 realizou o primeiro trabalho conjunto com o cenógrafo Peter Pabst. A partir de 1983, assumiu a direção artística do Estúdio de Dança Folkwang, cargo ocupado até hoje. Entre 1983 e 1989, dirigiu o departamento de dança da Folkwang Hochschule em Essen. Em 1973 foi nomeada diretora do Ballet der Wuppertaler Bühnen, rebatizado de Tanztheater Wuppertal, mantendo-se até hoje no posto (com repertório que conta entre outros com os seguintes espetáculos: Fritz, 1974; “Blaubart” (Barbazul), 1977; “Café Müller” e “Kontakthof”, 1978; 1979, “Árias”; “Bandoneon”, 1980; “Walzer” e “Nelken”, 1982; “Viktor” 1986; “Palermo, Palermo” 1989; “Der Fensterputzer” (Limpador de vidraças), 1997; “Masurca Fogo”, 1998; “Aqua”, 2001; “Die Kinder von gestern, heute und morgen” (As crianças de ontem, hoje e amanhã), 2002; “Nefés”, 2003, em trabalho conjunto com o International Istanbul Theatre Festival e a Istanbul Foundation for Culture and Arts, 2004 "Ten Chi", 2005 "Rough Cut".)
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Era uma homenagem das mais condizentes à essa artista que possui bailarinos das mais diversas partes do mundo e que surpreende Caetano desde a montagem que ele assistiu anos atrás de «Um Grito Ouviu-se na Montanha», no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. «Fiquei completamente apaixonado pelo espírito da obra dela, que tem uma vida impressionante, rara em artes da representação», afirmou Caetano, que já tinha gravado a marchinha carnavalesca «Dama das Camélias», de Braguinha e Alcir Pires Vermelho, como um tributo à Pina em seu álbum «Omaggio a Federico e Giulietta», de 1999.
O festival deste ano, que aconteceu de 12 a 28 de outubro, trouxe como destaques o coreógrafo e dançarino japonês Saburo Teshigawara, o violinista húngaro Félix Lajkó, além do diretor espanhol Pedro Almodóvar, que terá três de seus filmes exibidos no evento. Outro brasileiro convidado por Pina Bausch para a mostra de cultura foi o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos. Vários espetáculos de Pina foram reapresentados como «Os Sete Pecados Capitais», «Venha Dançar Comigo», «O Dido», além da sua última peça, inspirada no Brasil, que ela vem apresentando pelo mundo afora com sucesso.
Carisma à toda prova
O show de Caetano Veloso bem que poderia ter durado mais do que os seus setenta minutos. A platéia que lotou os setecentos lugares da Schauspielhaus pagou cerca de oitenta reais pelo ingresso e parecia não querer voltar mais para casa, depois que ouviu «Coração Vagabundo», «Cajuína», «Menino do Rio», «Terra» e a porto-riquenha «Lamento Borincano», dentre outras. A inclusão no roteiro de «Manhatã», composição que Caetano escreveu sobre Manhattan, Nova York, extraída do disco Livro, de 1997, foi muito oportuna, dando densidade comovente ao concerto, com seus versos tornados mais trágicos depois dos ataques ao World Trade Center: «todos os homens do mundo/ voltaram os seus olhos para aquela direção» (...) «e aqui dançam guerras/ no meio da paz das moradas de amor».
Caetano iniciou sua performance com muita timidez, mas a reverência a Bertolt Brecht e Kurt Weill com Stars Fall on Alabama já insinuava que o tropicalista estava afiado para o evento. E o cenário não poderia ter sido mais feliz, com um rochedo litorâneo criado por Peter Pabst para Masurca Fogo, peça encenada minutos antes. Ali, como que à beira-mar, Caetano foi de «Qualquer Coisa» a «Leãozinho», espalhando aquele sorriso largo que os caricaturistas tanto adoram. Desacostumado com tanta passividade da platéia, o artista começou a instigar os poucos brasileiros presentes a subverter o silêncio do público, no que foi atendido prontamente.
O grande momento da noite nasceu de um comentário que Caetano fez para Peter Pabst à época em que ele tinha assistido Masurca Fogo pela primeira vez, em São Paulo. O cantor e compositor baiano tinha imaginado que cantava «Garota de Ipanema» na cena em que as bailarinas do espetáculo aparecem deitadas sobre o rochedo. Resultado: o coreógrafo topou com entusiasmo a sugestão involuntária de Caetano e quando o músico começou a cantar o clássico de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, as meninas de Pina reentraram no palco para se banhar ao sol sobre as pedras do cenário. A platéia foi ao delírio e com ela um Caetano em total estado de graça.
Pina Bausch nasceu em 1940, na cidade de Solingen. Com a sua coreografia, levou a dança para fora de suas velhas formas e, como diretora do Tanztheater da cidade de Wuppertal, cunhou o novo conceito de dança-teatro. Entre 1955 e 1958, estudou e formou-se em dança na Escola Folkwang da cidade de Essen, sob direção de Kurt Jooss. Entre 1959 e 1962, estudou dança nos EUA, onde trabalhou, entre outros, com Paul Taylor e Antony Tudora. Em 1962, retorna à Alemanha a pedido de Kurt Jooss e torna-se bailarina no Folkwang-Ballett recém-inaugurado por ele. Em 1968, realiza sua primeira coreografia para o Folkwang-Ballett: “Fragment”. Entre 1969 e 1973, foi diretora artística, coreógrafa e bailarina do Estúdio de Dança Folkwang (1971),“Aktionen für Tänzer”, 1972 “Thannhäuser”, “Bacchanals”). Em 1980 realizou o primeiro trabalho conjunto com o cenógrafo Peter Pabst. A partir de 1983, assumiu a direção artística do Estúdio de Dança Folkwang, cargo ocupado até hoje. Entre 1983 e 1989, dirigiu o departamento de dança da Folkwang Hochschule em Essen. Em 1973 foi nomeada diretora do Ballet der Wuppertaler Bühnen, rebatizado de Tanztheater Wuppertal, mantendo-se até hoje no posto (com repertório que conta entre outros com os seguintes espetáculos: Fritz, 1974; “Blaubart” (Barbazul), 1977; “Café Müller” e “Kontakthof”, 1978; 1979, “Árias”; “Bandoneon”, 1980; “Walzer” e “Nelken”, 1982; “Viktor” 1986; “Palermo, Palermo” 1989; “Der Fensterputzer” (Limpador de vidraças), 1997; “Masurca Fogo”, 1998; “Aqua”, 2001; “Die Kinder von gestern, heute und morgen” (As crianças de ontem, hoje e amanhã), 2002; “Nefés”, 2003, em trabalho conjunto com o International Istanbul Theatre Festival e a Istanbul Foundation for Culture and Arts, 2004 "Ten Chi", 2005 "Rough Cut".)
A dança teatro de Pina Bausch: redançando a história corporal
Ciane Fernandes
Já a dança teatro de Jooss desenvolvia temas sócio-políticos através da ação dramática de grupo e da precisão da estrutura formal e de produção.4 O treinamento de dançarinos sob sua direção na Escola Folkwang, em Essen, Alemanha, combinava música, educação da fala, e dança, usando elementos do balé clássico e as teorias de Laban de harmonia espacial e qualidades dinâmicas de movimento.
O trabalho de Bausch combina seu treinamento com Jooss na Escola Folkwang e como solista na companhia dirigida por ele, a Folkwangballet,6 com sua experiência das artes e dança em New York nos anos 60.7 Muitos dançarinos e coreógrafos norte-americanos reagiam então as técnicas de dança moderna, e juntavam-se a artistas plásticos e músicos na produção de trabalhos colaborativos, expressando preocupações sócio-políticas sobre os direitos humanos, o meio-ambiente, feminismo, e questionando o conceito de arte. Artistas pretendiam derrubar a separação entre arte e vida cotidiana, dançarinos/atores e platéia. As peças colaborativas envolviam movimentos e trajes da vida cotidiana, contra uma representação teatral formal e artificial.8
Nesses trabalhos interativos dos anos 60, técnicas de Colagem eram usadas, ao invés de temas centrais. [...] Modelos de sons ou de movimentos eram usados em repetição para criar efeitos hipnóticos. [...] Coreógrafos agora estavam colocando seu foco em movimentos de pedestres e observando relações humanas básicas das pessoas ditas normais.9
Ambas influências de Bausch — Joss e trabalhos norte-americanos de interartes — enfatizam relações humanas, vocabulário de movimento cotidiano, e colaboração entre diferentes formas de arte.
Em suas obras de dança teatro, Bausch incorpora e altera suas influências. Seus trabalhos incluem a interação entre as diferentes formas de artes como nos Estados Unidos dos anos 60, mas de uma forma crítica. Suas peças apresentam um caos grupal generalizado, com uma ordem inerente, favorecendo processo sobre produto. Além disso, as peças provocam experiências inesperadas em ambos dançarinos e platéia. Mas as obras de Bausch atingem tais qualidades seguindo um caminho distinto daquele dos anos 60. Suas peças apresentam a interação entre as artes sem rejeitar a grandiosidade teatral.10 A interação, pelo contrário, acontece de forma majestosa, aumentada, semelhante àquela de grandes produções de ópera ou balé, e mesmo cinema. O forte impacto visual e auditivo de suas peças muitas vezes projeta impressões cinematográficas na platéia. Para a surpresa desta, tais majestosas imagens de repente abrem espaço para cenas quase vazias, silenciosas, e com pouca luz.
Os elegantes trajes de noite e maquiagem de seus dançarinos completam o grandioso quadro cênico. Em vez de vestirem simples roupas cotidianas, como nos trabalhos interativos dos anos 60, ou malhas sem distinção de gênero, como na dança abstrata, os dançarinos de Bausch vestem-se como que para um grande evento social. Seus figurinos e maquiagem determinam seus papéis sociais e sexuais, instigando a expectativa de um grande evento. Mas por muitas cenas, dançarinos apenas caminham, conversam, dançam pequenos movimentos, falam com a platéia, olham para nós, quebrando nossas expectativas e despertando nosso desejo por movimentos de dança.
O uso de materiais reais e muitas vezes orgânicos sobre o chão do palco, como água, terra, cravos, ou sal, assemelha-se aos trabalhos interativos dos anos 60, mas em uma maior escala de produção. Diferente daqueles trabalhos interativos, as obras de Bausch não parecem buscar uma quebra da barreira entre a representação cênica e a vida. Pelo contrário, seus trabalhos incorporam movimentos e elementos da vida diária justamente para demonstrar que são tão artificiais quanto a apresentação cênica. E esta demonstração, como será visto posteriormente, é feita através da repetição de ambos movimentos e palavras. Espontaneidade é uma experiência inesperada, imprevisível, que pode acontecer apenas através de tais repetições.
A coreografia de Bausch incorpora e altera balé em sua forma e conteúdo, usando movimentos técnicos e cotidianos. Seu trabalho aproxima-se do de Wigman em sua utilização das experiências de vida dos dançarinos, mas distingue-se por não recusar a técnica clássica, usando-a de forma crítica. Os dançarinos de Bausch, como os de Jooss, são todos bailarinos muito bem treinados, porém com trinta ou quarenta anos de idade — mais maduros e experientes, na vida e na dança, do que dançarinos mais jovens.
Laban definiu dança como o que ocorre quando o movimento humano cria composições de linhas no espaço o qual, de um começo definido, mostra um desenvolvimento estrutural, um crescimento levando a um clímax, uma solução e um final, o que implica uma noção de integralidade.11 Bausch diverge deste enfoque, estruturando cenas através da técnica da colagem com livre associação. Pequenas cenas ou seqüências de movimento são fragmentadas, repetidas, alternadas, ou realizadas simultaneamente, sem um definido desenvolvimento na direção de uma conclusão resolutiva.
Repetição é um método e um tema crucial na dança teatro de Bausch. Como um instrumento estético, a repetição em seus trabalhos questiona a história e a psicologia desta arte cênica. Através da repetição de movimentos e de palavras, Bausch parece confirmar e alterar as tradições da dança teatro alemã, explorando a natureza da dança e do teatro e suas implicações psicológicas:
Nas obras de Bausch, dança e teatro são trazidas ao palco como linguagem verbal e corporal, mas não como uma totalidade de corpo-mente ou forma-conteúdo.17 Ao contrário, a natureza lingüística de ambos dança e teatro é explorada como intrinsecamente fragmentada. Através da fragmentação e da repetição, seus trabalhos expõem e exploram a lacuna entre a dança e o teatro, em nível estético, psicológico, e social: movimentos não completam palavras em busca de uma comunicação mais completa; o corpo não completa a mente em busca de um ser total ou de uma presença mais completa no palco; mulher e homem não formam uma unidade liberando o indivíduo de sua solidão. Repetição quebra a imagem popular de dançarinos como seres espontâneos, e revela suas insatisfações e desejos em uma cadeia de movimentos e palavras repetitivas.
Gestos são movimentos corporais realizados na vida diária ou no palco. No cotidiano, gestos são parte de uma linguagem do dia-a-dia associada à determinadas atividades e funções. No palco, gestos ganham uma função estética; eles tornam-se estilizados e tecnicamente estruturados, dentro de vocabulários específicos, como balé ou dança moderna norte-americana. Bausch utiliza ambos tipos de gestos — cotidiano e técnico. Em muitos casos, porém, gestos cotidianos são trazidos ao palco e, através da repetição, tornam-se abstratos, não necessariamente conectados com suas funções diárias.
Quando um gesto é feito pela primeira vez no palco, ele pode ser (mal) interpretado como uma expressão espontânea. Mas quando o mesmo gesto é repetido várias vezes, ele é claramente exposto como um elemento estético. Nas primeiras repetições, o gesto gradualmente se mostra dissociado de uma fonte emocional espontânea. Eventualmente, as exaustivas repetições provocam sentimentos e experiências em ambos dançarino e platéia. Significados são transitórios, emergindo, dissolvendo, e sofrendo mutações em meio a repetições. Estas provocam uma constante transformação da dança teatro dentro da linguagem simbólica.18
Em Arias (1979), um boneco muito semelhante a um hipopótamo real surpreende a platéia ao entrar vagarosamente no palco, não sendo visto pelos dançarinos. Logo Josephine Ann Endicott encontra-se sozinha no palco com o animal. Ela ri continuamente, olhando para o mesmo entre seus ataques de riso, e sai do palco guiando-o para que se retire. Sua primeira gargalhada parece convincente, expressiva de sua experiência ao deparar com tal inesperado evento. Mas assim que continua repetindo tal expressão corporal e sonora, esta perde sua força mensageira de sensações internas, e parece significativa em si mesma, como signos constantemente escapando uma essência significativa. Sua ausência de significado, seu absurdo, eventualmente torna-se seu significado. A risada de fato denuncia a falsidade de expressão na dança da vida e do palco, a independência e até oposição entre sentimento e expressão. Mais uma vez, o público se surpreende, flagrado ao ver sua própria reação inicial (surpresos com o animal antes mesmo de Endicott) ser incorporada e distorcida em cena, como se num efeito de espelho.19 [ver ilustração da quarta capa]
Nos trabalhos de Bausch, palavras são repetidas até que se dissolvam seus significados literais. Eventualmente, o corpo e sua anatomia, patologias e dores, são evocadas por aquelas mesmas palavras. Através da repetição, o meio teatral da palavra torna-se um referente à fisicalidade da dança.
Em outra cena de Arias, oito dançarinos falam a respeito de seus corpos, em uma repetitiva e lúdica estrutura, enquanto vagarosamente caminham em direção à platéia. A frase dita por um dançarino é repetida pelos demais, um a um, apenas mudando a parte do corpo mencionada, evocando imagens surreais ou grotescas a partir da primeira frase lógica:
Os passos têm vindo sempre de algum outro lugar — nunca das pernas. [...] É simplesmente uma questão de quando é dança, e quando não é. Onde começa? Quando chamamos de dança? Têm de fato algo a ver com consciência, com consciência corporal, e a maneira como formamos as coisas. Mas então não precisa ter este tipo de forma estética. Pode ter uma forma totalmente diferente, e ainda assim ser dança. Basicamente, se quer dizer algo que não pode ser dito pois a expressão do material interno implicaria sua transformação em linguagem, faz-se então um poema para que se possa sentir o que se quer dizer. Então palavras, eu acho, são um meio — um meio para um fim.20 [grifo meu]
Definida como consciência corporal e a maneira na qual formamos as coisas, a natureza simbólica da dança teatro é associada ao desenvolvimento humano físico e psíquico. De fato, como colocado por Jacques Lacan, é através da linguagem simbólica que o ego não apenas interage com o mundo, mas é em si mesmo construído física e psiquicamente, em sua imagem corporal.21
Segundo Lacan, a imagem corporal inicia sua formação na infância, através de sucessivas internalizações de específicas imagens externas. A construção deste mapa corporal não depende de leis biológicas, mas sim de significações e fantasias de familiares a respeito do corpo. A imagem corporal é, então, a repetição do mapa ambiental ou sócio-familiar na própria psique e órgãos físicos do indivíduo. É através da imagem corporal que o esquema de gestos e posturas de uma sociedade é transmitido. A identidade corporal individual não é autêntica nem contrastante à sociedade. O corpo individual é um corpo social — uma construção em nível psico-físico, constantemente permeada e controlada por repetitivas normas de disciplina em meio à relações sociais de poder.22
Através da repetição, Bausch não apenas expõe a natureza simbólica da dança teatro, mas também explora o mapa corporal adquirido através da repetição desde a infância. Seus dançarinos freqüentemente repetem em cena momentos daquela fase de suas vidas, mostrando como incorporaram padrões sociais. Em outras palavras, eles repetem os momentos nos quais começaram a repetir movimentos e comportamentos de outras pessoas. Eles atuam medos infantis em ingênuos jogos e rituais, às vezes todos representando crianças, às vezes adultos e crianças.23
Em um momento de 1980, os dançarinos contam verbal e gestualmente à platéia estórias sobre seus medos do escuro e da solidão. Mechthild Grossmann relata:
Por mais de trinta anos eu tenho sido notadamente cuidadosa para nunca ficar sozinha no escuro jamais. Eu não podia suportar; eu entrava em pânico. Por causa disso, eu sempre carrego velas comigo; especialmente quando viajo. Ao exterior ou a outros continentes — nunca sem minhas velas, jamais; por causa da eletricidade... nunca se sabe. E quando criança, eu estava deitada em meu berço, com todas aquelas grades, você sabe [gestualizando grades ao seu redor]. E eu saía, abria a porta da cozinha só um pouquinho, para que um pouquinho de luz pudesse entrar. E quem entrava? Minha babá. E ela me batia!
E fechava a porta. Eu saía de novo, abria a porta, ela entrava, e me batia! [Repete os mesmos gestos] E então nós ficávamos assim, você sabe... Eu saía, abria a porta, ela entrava, e me batia! [Repete os gestos] Então eu prefiro apanhar do que ficar sozinha no escuro; e nunca sem minhas velas jamais; por causa da eletricidade... nunca se sabe. Eu? Nunca. Eu? Nunca. Nunca, jamais.
Através da repetição, a dança teatro de Bausch contém ambos interesses: o de Wigman, com a expressão pessoal e psicológica, e o de Jooss, com questões sociais e políticas.24 Seu trabalho expande o gesto social de Brecht para uma política corporal individual:
[Apesar de a] dança teatro de Pina Bausch [...] usar alguns dos conceitos básicos do teatro épico-gestus, efeito V, um certo uso do cômico como uma súbita virada de percepção [...] seus objetivos políticos são diferentes [...]. A diferença é que seus atores mostram a si m esmos; a divisão entre corpo e papel social no palco é experienciada e apresentada em seus próprios corpos. Eles são os demonstradores de seus próprios corpos [com suas histórias], não do corpo de algum transeunte, como no modelo de cena de rua de Brecht.25
Re-apresentar cenas passadas em apresentações no presente implica na reconstrução física e verbal da história do dançarino, registrada em seu próprio corpo, transformando-a em uma forma estética. Como dito por Lacan:
O fato de que o sujeito revive, rememora, no sentido intuitivo da palavra, os eventos formadores da sua existência, não é, em si mesmo, tão importante. O que conta é o que ele disso reconstrói. [...] O centro de gravidade do sujeito é essa síntese presente do passado [realizada em cena] a que chamamos história.26
Através da repetição de gestos, palavras, e experiências passadas, a dança teatro nas obras de Bausch pode ser definida como a consciência do corpo quanto à sua própria história como tópico simbólico e social em constante transformação.
Ciane Fernandes, professora adjunta da Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFBA, Ph.D. e M.A. pela New York University, e C.M.A. (Certified Movement Analyst) pelo Laban/Bartenieff Institute of Movement Studies, New York. Enfermeira e arte-educadora pela UnB.
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2 OSBORNE, Claire. The innovations and influence of Rudolf Laban on the development of dance in higher education during the Weimar period (1917-1933) in Working Papers, v.2. Londres: Laban Centre, 1989, p. 90.
3 Para uma concisa descrição da filosofia de Wigman, vide Dianne S. Howe, The notion of mysticism in the philosophy and choreography of Mary Wigman 1914-1931, in Dance Research Journal 9, nº 1. Summer 87, p. 19-24; e WIGMAN, Mary. The language of dance. Connecticut: Wesleyan University Press, 1966.
4 Para referências históricas e filosóficas do trabalho de Jooss, vide MARKARD e MARKARD, Jooss Köln: Ballett-Bühnen Verlag, 1985; WALTHER, Suzanne K. The dance theatre of Kurt Jooss. London: Harwood Academic Publishers, 1993, v.3. London: WILLET, John. Art and politics in the Weimar period: the new sobriety, 1917-1933. New York: Pantheon Books, 1978.
5 Chamamos esfera do gesto à esfera a que pertencem as atitudes que as personagens assumem em relação umas às outras. A posição do corpo, a entoação e a expressão fisionômica são determinadas por um gesto social; as personagens injuriam-se mutuamente, cumprimentam-se, esclarecem-se, etc. As atitudes tomadas de homem para homem pertencem, mesmo, as que, na aparência, são absolutamente privadas, tal como a exteriorização da dor física, na doença, ou a exteriorização religiosa. A exteriorização do gesto é, na maior parte das vezes, verdadeiramente complexa e contraditória, de modo que não é possível transmiti-la numa única palavra; o ator, nesse caso, ao efetuar uma representação necessariamente reforçada, terá de fazê-lo cuidadosamente, de forma a nada perder e a reforçar, pelo contrário, todo o complexo expressivo. BRECHT, Bertold. Pequeno organon para o teatro in Estudos sobre teatro — para uma dramaturgia não-aristotélica. Lisboa: Portugália Editora, 1957, p. 199.
6 Bausch estudou balé até completar 15 anos, quando foi para o Departamento de Dança da Folkwang Schule, dirigido por Jooss. Em 1960 ela continuou seus estudos na Juilliard School of Music, em New York, como aluna especial. Em 1962, retornou a Alemanha e tornou-se solista e coreógrafa do Folkwangballet, dirigido por Jooss. Em 1969, tornou-se diretora deste ballet, que passou a chamar-se Folkwang Tanzstudio. Desde 1973 ela dirige o Ballet do Teatro de Wuppertal, que teve seu nome mudado para Wuppertal Tanztheater. Nos anos 80, ela passou a dirigir o Departamento de Dança da Folkwang Schule.
7 Os professores de Bausch em 1960-61 incluíram Antony Tudor, Jose Limón, Anna Sokolow, Alfredo Corvino, Margret Craske, Louis Horst, e La Meri. Simultaneamente, ela tornou-se membro da Dance Company Paul Sanasardo and Donya Feuer. Em 1961, dançou no New American Ballet e na Metropolitan Opera House, colaborando também com Paul Taylor.
7 Os professores de Bausch em 1960-61 incluíram Antony Tudor, Jose Limón, Anna Sokolow, Alfredo Corvino, Margret Craske, Louis Horst, e La Meri. Simultaneamente, ela tornou-se membro da Dance Company Paul Sanasardo and Donya Feuer. Em 1961, dançou no New American Ballet e na Metropolitan Opera House, colaborando também com Paul Taylor.
8 Para uma descrição mais detalhada destes projetos colaborativos e suas filosofias, vide HASKELL, Barbara. BLAM! The explosion of Pop, Minimalism, and Performance 1958-1964. New York: Whitney Museum of Art, 1984. Bausch foi influenciada pela colaboração entre as artes em ambas experiências norte-americana e européia. A dança teatro alemã parece ter se desenvolvido neste contexto interativo. Durante as primeiras décadas deste século, a interação entre as diferentes áreas artísticas era a principal qualidade dos movimentos europeus de vanguarda, como o Dada e a Bauhaus. Estes movimentos artísticos desenvolveram-se próximos a, ou mesmo interagindo com dança teatro. O próprio Laban era um arquiteto e designer, e seus símbolos para a notação de dança assemelham-se aos da pintura construtivista russa. A influência daqueles movimentos de vanguarda nos trabalhos de Bausch, é descrito por Thomas McEvilley em Pina Bausch, Artforum, october, p. 84, 85-6: [A peça de Bausch] 1980 [...] revive o vocabulário das performances Dada, trazendo-o a vida com um extraordinário vigor. Para maiores referências, vide GOLDBERG, Rose Lee. Performance art: from Futurism to the present. New York: Harry N. Abrams, 1988, e Naima Prevots, Zurich Dada and Dance: Formative Ferment, Dance Research Journal. Spring-Summer 1985, p. 3-8.
9 PARTSH-BERGSOHN, RoseLee. Dance theatre from Rudolph Laban to Pina Bausch in Dance Theatre Journal v.6, nº 2. July 1988, p. 38. Para maior referência sobre a dança norte-americana nos anos 60, vide BANES, Sally. Terpsichore in sneakers: post-modern dance. Boston: Houghton Mifflin Company, 1980.
10 Nesse aspecto, o trabalho de Bausch está de acordo com a filosofia de Jooss. Jooss defendia a criação de peças de dança que incluíssem ambas forma e apresentação altamente técnicas, e conteúdo emocional, associando divertimento e arte socialmente crítica: Estamos vivendo numa época que está redescobrindo a forma artística. Em dança isto significa que do caos dos movimentos arbitrários e casuais, apenas os mais essencialmente importantes serão desenvolvidos [...]. Um compromisso criativo entre a expressão livre do indivíduo e condescendência formal com leis objetivas e intelectuais está se desenvolvendo: um compromisso no mais nobre sentido, que pode também ser descrito como axial ao mundo da arte. Jooss, na introdução de MÜLLER, Hedwig in Jooss, de MARKARD, A. and MARKARD, H. Köln, Germany: Ballett-Bühnen-Verlag, 1985, p.16-7.
11 BARTENIEFF, Irmgard. Body movement: coping with the environment. Pennsylvania: Gordon & Breach Science Publishers, 1980, p.191.
12 KERKHOVEN, Marianne van. Dance, theatre, and their Hazy Boundaries in Ballet International, Special Issue 1. January 1993, p. 30.
13 BARTENIEFF, Irmgard. The roots of Laban Theory: Aesthetics and beyond in Four adaptations of effort theory in research and teaching. New York: Dance Notation Bureau, 1970, p. 11. Mesmo hoje, no Laban/Bartenieff Institute of Movement Studies, New York, esta integração é um requerimento em exames finais, apresentações e projetos, para receber o Certificado de Analista de Movimento. Integração é interpretada como a habilidade do estudante em expressar a linguagem Laban de movimento verbal e fisicamente, com envolvimento emocional e pessoal.
14 OSBORNE, Claire, op. cit., p. 94.
15 De acordo com Susanne Langer, todo trabalho de arte consiste em linguagem simbólica — o meio pelo qual sentimentos são articulados. A linguagem simbólica da música, por exemplo, difere de linguagem porque seus elementos não são palavras — símbolos associativos independentes com uma referência fixada pela convenção. [...] ela não é linguagem porque não tem vocabulário. LANGER, Susanne. Sentimento e forma. São Paulo: Perspectiva, 1980, p. 33. No capítulo, Langer usa as teorias de Rudolf Laban como apoio e exemplo à sua tese.
16 BARTENIEFF, Irmgard. Body movement, ibid., p. 191.
17 A quebra de completude entre forma e significado conseqüentemente modifica o conceito de linguagem nas obras de Bausch, evocando mais a cadeia significante de Lacan, composta de signos, do que a linguagem simbólica de Langer, composta de símbolos. Vide KRISTEVA, Julia. From symbol to sign in The Kristeva reader. New York: Columbia University Press, 1986, p. 63-73.
18 O termo Simbólico, iniciado com "S" maiúsculo, refere-se ao estágio lingüístico do desenvolvimento do ego narcisista descrito por Lacan (que aborda signos, auto-referentes, multiplicadores de si mesmos e abertos a infinita significação a partir de suas inter-relações em uma cadeia significante), distinto de simbólico ou linguagem simbólica de Langer (que aborda símbolos nos quais cada significante corresponde a um significado). LACAN, Jacques. A rede dos significantes in O seminário livro 11 - os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 45-55; A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud in Escritos. São Paulo: Perspectiva, 1978, p. 223-259. Vide também VALLEJO, Américo e MAGALHÃES, Ligia C. Lacan: operadores da leitura. São Paulo: Perspectiva, 1991.
19 The mirror stage as formative of the function of the I in Écrits. New York: W. W. Norton & Company Inc., 1977, p. 1-7. Este capítulo, traduzido de Écrits, Éditions du Seuil, 1966, por Alan Sheridan, não consta na tradução para a língua portuguesa Escritos. São Paulo: Perspectiva, 1978.
20 SERVOS, Norbert and WEIGELT, Gert. Pina Bausch Wuppertal Dance Theater or The art of training a goldfish. Excursions into dance. Köln: Ballett-Bühnen-Verlag, 1984, p. 239. As palavras de Bausch me inspiraram a usar o fragmento poético na abertura deste artigo.
21 The mirror stage as formative of the function of the I, ibid.
22 O conceito de repetição em relação ao controle disciplinário do corpo, no trabalho de Bausch, é o tema de outro capítulo de minha tese de doutorado intitulada Pina Bausch and the Wuppertal Dance Theatre: repetition and transformation. New York University, 1995, a ser publicada pela HUCITEC. As principais referências são FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento e prisão. 6a ed. Petrópolis: Vozes, 1988. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1980.
23 WRIGHT, Elizabeth. Postmodern Brecht: a re-presentation. London: Routledge, 1989, p. 116.
24 Esta afirmação pode parecer paradóxica, já que as filosofias de Wigman e de Jooss parecem tão opostas. Porém, contradição e paradoxo são importantes qualidades da dança teatro de Bausch.
25 WRIGHT, Elizabeth, op. cit., p. 118-9.
25 WRIGHT, Elizabeth, op. cit., p. 118-9.
26 LACAN, Jacques. O seminário livro I - os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1986, p. 22, 48.
Escrever [e dançar] é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu. Como conseguirei saber do que nem ao menos sei? assim: como se me lembrasse. Com um esforço de memória, como se eu nunca tivesse nascido. Nunca nasci, nunca vivi: mas eu me lembro, e a lembrança é em carne viva.
Clarice Lispector.
Clarice Lispector.
Desde 1973, quando assumiu a direção do então Wuppertal Ballet, Bausch tem se destacado como líder de uma corrente artística de notável importância nas artes cênicas de nosso século: o tanztheater, ou dança teatro.
A história da dança teatro alemã pode ser traçada a partir dos trabalhos de Rudolf von Laban e seus discípulos Mary Wigman e Kurt Jooss, nos anos 20 e 30. O termo dança teatro era usado por Laban (1879-1958) para descrever dança como uma forma de arte independente de qualquer outra, baseada em correspondências harmoniosas entre qualidades dinâmicas de movimento e percursos no espaço. Ainda que considerando a dança como uma arte independente, Laban desenvolveu seu sistema de movimento a partir de improvisações de Tanz-Ton-Wort (Dança-Tom-Palavra), nas quais os estudantes usavam a voz, criavam pequenos poemas, ou dançavam em silêncio.2 As peças de dança então criadas incorporavam movimento cotidiano, bem como movimento abstrato ou puro, em uma forma narrativa, cômica, ou mais abstrata.
Wigman fundou a Ausdruckstanz, dança da expressão. Ausdruckstanz foi uma rebelião contra o balé clássico, buscando uma expressão individual ligada a lutas e necessidades humanas universais.3
Já a dança teatro de Jooss desenvolvia temas sócio-políticos através da ação dramática de grupo e da precisão da estrutura formal e de produção.4 O treinamento de dançarinos sob sua direção na Escola Folkwang, em Essen, Alemanha, combinava música, educação da fala, e dança, usando elementos do balé clássico e as teorias de Laban de harmonia espacial e qualidades dinâmicas de movimento.
As teorias e práticas teatrais de Bertold Brecht, e seus temas sócio-políticos, são também relevantes à história da dança teatro alemã. O teatro épico criou conceitos como os de gestus, o efeito de distanciamento, a técnica da montagem, e momentos cômicos inesperados. O conceito brechtiniano de Gestus ou Gebärde enfatizava uma combinação de ações corporais e palavras como um gesto socialmente significante, não ilustrativo ou expressivo.5 Através de tais efeitos, o teatro épico de Brecht instigava o reconhecimento de situações cotidianas pelo espectador, e sua ação e tomada de decisão para mudá-las.
O trabalho de Bausch combina seu treinamento com Jooss na Escola Folkwang e como solista na companhia dirigida por ele, a Folkwangballet,6 com sua experiência das artes e dança em New York nos anos 60.7 Muitos dançarinos e coreógrafos norte-americanos reagiam então as técnicas de dança moderna, e juntavam-se a artistas plásticos e músicos na produção de trabalhos colaborativos, expressando preocupações sócio-políticas sobre os direitos humanos, o meio-ambiente, feminismo, e questionando o conceito de arte. Artistas pretendiam derrubar a separação entre arte e vida cotidiana, dançarinos/atores e platéia. As peças colaborativas envolviam movimentos e trajes da vida cotidiana, contra uma representação teatral formal e artificial.8
Nesses trabalhos interativos dos anos 60, técnicas de Colagem eram usadas, ao invés de temas centrais. [...] Modelos de sons ou de movimentos eram usados em repetição para criar efeitos hipnóticos. [...] Coreógrafos agora estavam colocando seu foco em movimentos de pedestres e observando relações humanas básicas das pessoas ditas normais.9
Ambas influências de Bausch — Joss e trabalhos norte-americanos de interartes — enfatizam relações humanas, vocabulário de movimento cotidiano, e colaboração entre diferentes formas de arte.
Em suas obras de dança teatro, Bausch incorpora e altera suas influências. Seus trabalhos incluem a interação entre as diferentes formas de artes como nos Estados Unidos dos anos 60, mas de uma forma crítica. Suas peças apresentam um caos grupal generalizado, com uma ordem inerente, favorecendo processo sobre produto. Além disso, as peças provocam experiências inesperadas em ambos dançarinos e platéia. Mas as obras de Bausch atingem tais qualidades seguindo um caminho distinto daquele dos anos 60. Suas peças apresentam a interação entre as artes sem rejeitar a grandiosidade teatral.10 A interação, pelo contrário, acontece de forma majestosa, aumentada, semelhante àquela de grandes produções de ópera ou balé, e mesmo cinema. O forte impacto visual e auditivo de suas peças muitas vezes projeta impressões cinematográficas na platéia. Para a surpresa desta, tais majestosas imagens de repente abrem espaço para cenas quase vazias, silenciosas, e com pouca luz.
Os elegantes trajes de noite e maquiagem de seus dançarinos completam o grandioso quadro cênico. Em vez de vestirem simples roupas cotidianas, como nos trabalhos interativos dos anos 60, ou malhas sem distinção de gênero, como na dança abstrata, os dançarinos de Bausch vestem-se como que para um grande evento social. Seus figurinos e maquiagem determinam seus papéis sociais e sexuais, instigando a expectativa de um grande evento. Mas por muitas cenas, dançarinos apenas caminham, conversam, dançam pequenos movimentos, falam com a platéia, olham para nós, quebrando nossas expectativas e despertando nosso desejo por movimentos de dança.
O uso de materiais reais e muitas vezes orgânicos sobre o chão do palco, como água, terra, cravos, ou sal, assemelha-se aos trabalhos interativos dos anos 60, mas em uma maior escala de produção. Diferente daqueles trabalhos interativos, as obras de Bausch não parecem buscar uma quebra da barreira entre a representação cênica e a vida. Pelo contrário, seus trabalhos incorporam movimentos e elementos da vida diária justamente para demonstrar que são tão artificiais quanto a apresentação cênica. E esta demonstração, como será visto posteriormente, é feita através da repetição de ambos movimentos e palavras. Espontaneidade é uma experiência inesperada, imprevisível, que pode acontecer apenas através de tais repetições.
A coreografia de Bausch incorpora e altera balé em sua forma e conteúdo, usando movimentos técnicos e cotidianos. Seu trabalho aproxima-se do de Wigman em sua utilização das experiências de vida dos dançarinos, mas distingue-se por não recusar a técnica clássica, usando-a de forma crítica. Os dançarinos de Bausch, como os de Jooss, são todos bailarinos muito bem treinados, porém com trinta ou quarenta anos de idade — mais maduros e experientes, na vida e na dança, do que dançarinos mais jovens.
Laban definiu dança como o que ocorre quando o movimento humano cria composições de linhas no espaço o qual, de um começo definido, mostra um desenvolvimento estrutural, um crescimento levando a um clímax, uma solução e um final, o que implica uma noção de integralidade.11 Bausch diverge deste enfoque, estruturando cenas através da técnica da colagem com livre associação. Pequenas cenas ou seqüências de movimento são fragmentadas, repetidas, alternadas, ou realizadas simultaneamente, sem um definido desenvolvimento na direção de uma conclusão resolutiva.
Repetição é um método e um tema crucial na dança teatro de Bausch. Como um instrumento estético, a repetição em seus trabalhos questiona a história e a psicologia desta arte cênica. Através da repetição de movimentos e de palavras, Bausch parece confirmar e alterar as tradições da dança teatro alemã, explorando a natureza da dança e do teatro e suas implicações psicológicas:
A história do teatro pode ser traçada desde o início da civilização européia (ao teatro grego). Ele tem sempre sido parte de, e protegido por, uma cultura baseada na linguagem verbal; uma cultura que por muito tempo estava convencida de que tudo, ou quase tudo, poderia ser dito com palavras. A história da dança é muito mais difícil de se juntar, devido ao fato de que dança não pode ser gravada na escrita. [...] [Hoje] há ainda a tendência de se considerar atores como os intelectuais do palco, e dançarinos como seres espontâneos capazes de entrar em contato com as forças escondidas do universo. Nossas mentes ainda se apegam à idéia de que dentro de cada homem há uma divisão entre mente e corpo. Corpo/mente, coração/cabeça nessas construções binárias nós mais uma vez encontramos a dicotomia básica do masculino/ feminino.12
Esta convenção de ambos teatro e dança tem sido quebrada pela dança teatro alemã desde seu início. Na dança teatro de Laban, o dançarino era um integrado ser que pensava-sentia-fazia.13 O método de Laban era fundamentado primeiramente em pensando em movimento, o que desenvolvia uma consciência que não deve ser confundida com um enfoque cognitivo ou intelectual, pois ele demanda que a dança seja experienciada e entendida, sentida e percebida pelo indivíduo como um ser completo.14 Juntamente com essa filosofia, Laban criou um sistema de notação apropriado ao entendimento da dança como linguagem sinestésica ou simbólica, diferente de expressão espontânea e de linguagem discursiva.15 Para Laban, dança tem um conteúdo significativo, compreensível.16
Nas obras de Bausch, dança e teatro são trazidas ao palco como linguagem verbal e corporal, mas não como uma totalidade de corpo-mente ou forma-conteúdo.17 Ao contrário, a natureza lingüística de ambos dança e teatro é explorada como intrinsecamente fragmentada. Através da fragmentação e da repetição, seus trabalhos expõem e exploram a lacuna entre a dança e o teatro, em nível estético, psicológico, e social: movimentos não completam palavras em busca de uma comunicação mais completa; o corpo não completa a mente em busca de um ser total ou de uma presença mais completa no palco; mulher e homem não formam uma unidade liberando o indivíduo de sua solidão. Repetição quebra a imagem popular de dançarinos como seres espontâneos, e revela suas insatisfações e desejos em uma cadeia de movimentos e palavras repetitivas.
Gestos são movimentos corporais realizados na vida diária ou no palco. No cotidiano, gestos são parte de uma linguagem do dia-a-dia associada à determinadas atividades e funções. No palco, gestos ganham uma função estética; eles tornam-se estilizados e tecnicamente estruturados, dentro de vocabulários específicos, como balé ou dança moderna norte-americana. Bausch utiliza ambos tipos de gestos — cotidiano e técnico. Em muitos casos, porém, gestos cotidianos são trazidos ao palco e, através da repetição, tornam-se abstratos, não necessariamente conectados com suas funções diárias.
Quando um gesto é feito pela primeira vez no palco, ele pode ser (mal) interpretado como uma expressão espontânea. Mas quando o mesmo gesto é repetido várias vezes, ele é claramente exposto como um elemento estético. Nas primeiras repetições, o gesto gradualmente se mostra dissociado de uma fonte emocional espontânea. Eventualmente, as exaustivas repetições provocam sentimentos e experiências em ambos dançarino e platéia. Significados são transitórios, emergindo, dissolvendo, e sofrendo mutações em meio a repetições. Estas provocam uma constante transformação da dança teatro dentro da linguagem simbólica.18
Em Arias (1979), um boneco muito semelhante a um hipopótamo real surpreende a platéia ao entrar vagarosamente no palco, não sendo visto pelos dançarinos. Logo Josephine Ann Endicott encontra-se sozinha no palco com o animal. Ela ri continuamente, olhando para o mesmo entre seus ataques de riso, e sai do palco guiando-o para que se retire. Sua primeira gargalhada parece convincente, expressiva de sua experiência ao deparar com tal inesperado evento. Mas assim que continua repetindo tal expressão corporal e sonora, esta perde sua força mensageira de sensações internas, e parece significativa em si mesma, como signos constantemente escapando uma essência significativa. Sua ausência de significado, seu absurdo, eventualmente torna-se seu significado. A risada de fato denuncia a falsidade de expressão na dança da vida e do palco, a independência e até oposição entre sentimento e expressão. Mais uma vez, o público se surpreende, flagrado ao ver sua própria reação inicial (surpresos com o animal antes mesmo de Endicott) ser incorporada e distorcida em cena, como se num efeito de espelho.19 [ver ilustração da quarta capa]
Nos trabalhos de Bausch, palavras são repetidas até que se dissolvam seus significados literais. Eventualmente, o corpo e sua anatomia, patologias e dores, são evocadas por aquelas mesmas palavras. Através da repetição, o meio teatral da palavra torna-se um referente à fisicalidade da dança.
Em outra cena de Arias, oito dançarinos falam a respeito de seus corpos, em uma repetitiva e lúdica estrutura, enquanto vagarosamente caminham em direção à platéia. A frase dita por um dançarino é repetida pelos demais, um a um, apenas mudando a parte do corpo mencionada, evocando imagens surreais ou grotescas a partir da primeira frase lógica:
Meu ombro é ossudo, Meu olho é ossudo, Meu nariz é ossudo, Meu pé é ossudo, Meu joelho é ossudo, Meu estômago é ossudo, Meu umbigo é ossudo; Meu nariz tem dois buracos, Meu pé tem dois buracos, Meu joelho tem dois buracos, Meu estômago tem dois buracos, Meu umbigo tem dois buracos, Meu ombro tem dois buracos, Meu olho tem dois buracos; Eu não posso ver meu estômago, Eu não posso ver meu pé, etc.; Você viu meu estômago?, Você viu meu pé?; Eu ando nos meus pés, Eu ando no meu joelho, Eu ando no meu estômago, Eu ando no meu nariz, etc.
A dança teatro de Bausch, como a de Laban, entrelaça dança e palavras em um tipo de consciência que não deve ser confundida com um enfoque intelectual. Mas o trabalho de Bausch implica em uma constante incompletude, busca e transformação dentro de um pensar-sentir-fazer fragmentado, ao invés de integrado:
Os passos têm vindo sempre de algum outro lugar — nunca das pernas. [...] É simplesmente uma questão de quando é dança, e quando não é. Onde começa? Quando chamamos de dança? Têm de fato algo a ver com consciência, com consciência corporal, e a maneira como formamos as coisas. Mas então não precisa ter este tipo de forma estética. Pode ter uma forma totalmente diferente, e ainda assim ser dança. Basicamente, se quer dizer algo que não pode ser dito pois a expressão do material interno implicaria sua transformação em linguagem, faz-se então um poema para que se possa sentir o que se quer dizer. Então palavras, eu acho, são um meio — um meio para um fim.20 [grifo meu]
Definida como consciência corporal e a maneira na qual formamos as coisas, a natureza simbólica da dança teatro é associada ao desenvolvimento humano físico e psíquico. De fato, como colocado por Jacques Lacan, é através da linguagem simbólica que o ego não apenas interage com o mundo, mas é em si mesmo construído física e psiquicamente, em sua imagem corporal.21
Segundo Lacan, a imagem corporal inicia sua formação na infância, através de sucessivas internalizações de específicas imagens externas. A construção deste mapa corporal não depende de leis biológicas, mas sim de significações e fantasias de familiares a respeito do corpo. A imagem corporal é, então, a repetição do mapa ambiental ou sócio-familiar na própria psique e órgãos físicos do indivíduo. É através da imagem corporal que o esquema de gestos e posturas de uma sociedade é transmitido. A identidade corporal individual não é autêntica nem contrastante à sociedade. O corpo individual é um corpo social — uma construção em nível psico-físico, constantemente permeada e controlada por repetitivas normas de disciplina em meio à relações sociais de poder.22
Através da repetição, Bausch não apenas expõe a natureza simbólica da dança teatro, mas também explora o mapa corporal adquirido através da repetição desde a infância. Seus dançarinos freqüentemente repetem em cena momentos daquela fase de suas vidas, mostrando como incorporaram padrões sociais. Em outras palavras, eles repetem os momentos nos quais começaram a repetir movimentos e comportamentos de outras pessoas. Eles atuam medos infantis em ingênuos jogos e rituais, às vezes todos representando crianças, às vezes adultos e crianças.23
Em um momento de 1980, os dançarinos contam verbal e gestualmente à platéia estórias sobre seus medos do escuro e da solidão. Mechthild Grossmann relata:
Por mais de trinta anos eu tenho sido notadamente cuidadosa para nunca ficar sozinha no escuro jamais. Eu não podia suportar; eu entrava em pânico. Por causa disso, eu sempre carrego velas comigo; especialmente quando viajo. Ao exterior ou a outros continentes — nunca sem minhas velas, jamais; por causa da eletricidade... nunca se sabe. E quando criança, eu estava deitada em meu berço, com todas aquelas grades, você sabe [gestualizando grades ao seu redor]. E eu saía, abria a porta da cozinha só um pouquinho, para que um pouquinho de luz pudesse entrar. E quem entrava? Minha babá. E ela me batia!
Enquanto fala, Grossmann parece re-experienciar o tapa com surpresa, apertando seus cotovelos tensa e rapidamente contra as laterais de seu tórax, forçando seu corpo um pouco para cima e fechando os olhos. Em seguida relaxa, abre os olhos em estado de alerta, olhando para o lado e abrindo em um sorriso, como se surpresa porém satisfeita pelo toque de sua babá, que parece quebrar o anterior momento de solidão.
E fechava a porta. Eu saía de novo, abria a porta, ela entrava, e me batia! [Repete os mesmos gestos] E então nós ficávamos assim, você sabe... Eu saía, abria a porta, ela entrava, e me batia! [Repete os gestos] Então eu prefiro apanhar do que ficar sozinha no escuro; e nunca sem minhas velas jamais; por causa da eletricidade... nunca se sabe. Eu? Nunca. Eu? Nunca. Nunca, jamais.
A cena de Grossmann é um complexo de reconstruções. Ela não apenas redança sua experiência de infância, expondo um dos momentos no qual aprendeu a tornar-se repetitiva, mas incorpora tal mecanismo esteticamente, repetindo sua própria reconstrução durante a cena. Seus gestos, apesar de claramente ilustrativos de suas palavras, acontecem no presente, dissonando dos verbos em tempo passado. Sua insistência em afirmar suas experiências demonstram um desejo ou necessidade recorrente em ambos palco e vida, numa busca simbólica (pessoal, social, e estética) nunca satisfeita. Dançarinos entram em cena um após o outro, com uma leve sobreposição de solos, contando suas estórias numa corrente coletiva de repetições (cadeia significante).
Através da repetição, a dança teatro de Bausch contém ambos interesses: o de Wigman, com a expressão pessoal e psicológica, e o de Jooss, com questões sociais e políticas.24 Seu trabalho expande o gesto social de Brecht para uma política corporal individual:
[Apesar de a] dança teatro de Pina Bausch [...] usar alguns dos conceitos básicos do teatro épico-gestus, efeito V, um certo uso do cômico como uma súbita virada de percepção [...] seus objetivos políticos são diferentes [...]. A diferença é que seus atores mostram a si m esmos; a divisão entre corpo e papel social no palco é experienciada e apresentada em seus próprios corpos. Eles são os demonstradores de seus próprios corpos [com suas histórias], não do corpo de algum transeunte, como no modelo de cena de rua de Brecht.25
Re-apresentar cenas passadas em apresentações no presente implica na reconstrução física e verbal da história do dançarino, registrada em seu próprio corpo, transformando-a em uma forma estética. Como dito por Lacan:
O fato de que o sujeito revive, rememora, no sentido intuitivo da palavra, os eventos formadores da sua existência, não é, em si mesmo, tão importante. O que conta é o que ele disso reconstrói. [...] O centro de gravidade do sujeito é essa síntese presente do passado [realizada em cena] a que chamamos história.26
Através da repetição de gestos, palavras, e experiências passadas, a dança teatro nas obras de Bausch pode ser definida como a consciência do corpo quanto à sua própria história como tópico simbólico e social em constante transformação.
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Ciane Fernandes, professora adjunta da Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFBA, Ph.D. e M.A. pela New York University, e C.M.A. (Certified Movement Analyst) pelo Laban/Bartenieff Institute of Movement Studies, New York. Enfermeira e arte-educadora pela UnB.
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1 Para não esquecer. São Paulo: Ática, 1979, p. 21.
2 OSBORNE, Claire. The innovations and influence of Rudolf Laban on the development of dance in higher education during the Weimar period (1917-1933) in Working Papers, v.2. Londres: Laban Centre, 1989, p. 90.
3 Para uma concisa descrição da filosofia de Wigman, vide Dianne S. Howe, The notion of mysticism in the philosophy and choreography of Mary Wigman 1914-1931, in Dance Research Journal 9, nº 1. Summer 87, p. 19-24; e WIGMAN, Mary. The language of dance. Connecticut: Wesleyan University Press, 1966.
4 Para referências históricas e filosóficas do trabalho de Jooss, vide MARKARD e MARKARD, Jooss Köln: Ballett-Bühnen Verlag, 1985; WALTHER, Suzanne K. The dance theatre of Kurt Jooss. London: Harwood Academic Publishers, 1993, v.3. London: WILLET, John. Art and politics in the Weimar period: the new sobriety, 1917-1933. New York: Pantheon Books, 1978.
5 Chamamos esfera do gesto à esfera a que pertencem as atitudes que as personagens assumem em relação umas às outras. A posição do corpo, a entoação e a expressão fisionômica são determinadas por um gesto social; as personagens injuriam-se mutuamente, cumprimentam-se, esclarecem-se, etc. As atitudes tomadas de homem para homem pertencem, mesmo, as que, na aparência, são absolutamente privadas, tal como a exteriorização da dor física, na doença, ou a exteriorização religiosa. A exteriorização do gesto é, na maior parte das vezes, verdadeiramente complexa e contraditória, de modo que não é possível transmiti-la numa única palavra; o ator, nesse caso, ao efetuar uma representação necessariamente reforçada, terá de fazê-lo cuidadosamente, de forma a nada perder e a reforçar, pelo contrário, todo o complexo expressivo. BRECHT, Bertold. Pequeno organon para o teatro in Estudos sobre teatro — para uma dramaturgia não-aristotélica. Lisboa: Portugália Editora, 1957, p. 199.
6 Bausch estudou balé até completar 15 anos, quando foi para o Departamento de Dança da Folkwang Schule, dirigido por Jooss. Em 1960 ela continuou seus estudos na Juilliard School of Music, em New York, como aluna especial. Em 1962, retornou a Alemanha e tornou-se solista e coreógrafa do Folkwangballet, dirigido por Jooss. Em 1969, tornou-se diretora deste ballet, que passou a chamar-se Folkwang Tanzstudio. Desde 1973 ela dirige o Ballet do Teatro de Wuppertal, que teve seu nome mudado para Wuppertal Tanztheater. Nos anos 80, ela passou a dirigir o Departamento de Dança da Folkwang Schule.
7 Os professores de Bausch em 1960-61 incluíram Antony Tudor, Jose Limón, Anna Sokolow, Alfredo Corvino, Margret Craske, Louis Horst, e La Meri. Simultaneamente, ela tornou-se membro da Dance Company Paul Sanasardo and Donya Feuer. Em 1961, dançou no New American Ballet e na Metropolitan Opera House, colaborando também com Paul Taylor.
7 Os professores de Bausch em 1960-61 incluíram Antony Tudor, Jose Limón, Anna Sokolow, Alfredo Corvino, Margret Craske, Louis Horst, e La Meri. Simultaneamente, ela tornou-se membro da Dance Company Paul Sanasardo and Donya Feuer. Em 1961, dançou no New American Ballet e na Metropolitan Opera House, colaborando também com Paul Taylor.
8 Para uma descrição mais detalhada destes projetos colaborativos e suas filosofias, vide HASKELL, Barbara. BLAM! The explosion of Pop, Minimalism, and Performance 1958-1964. New York: Whitney Museum of Art, 1984. Bausch foi influenciada pela colaboração entre as artes em ambas experiências norte-americana e européia. A dança teatro alemã parece ter se desenvolvido neste contexto interativo. Durante as primeiras décadas deste século, a interação entre as diferentes áreas artísticas era a principal qualidade dos movimentos europeus de vanguarda, como o Dada e a Bauhaus. Estes movimentos artísticos desenvolveram-se próximos a, ou mesmo interagindo com dança teatro. O próprio Laban era um arquiteto e designer, e seus símbolos para a notação de dança assemelham-se aos da pintura construtivista russa. A influência daqueles movimentos de vanguarda nos trabalhos de Bausch, é descrito por Thomas McEvilley em Pina Bausch, Artforum, october, p. 84, 85-6: [A peça de Bausch] 1980 [...] revive o vocabulário das performances Dada, trazendo-o a vida com um extraordinário vigor. Para maiores referências, vide GOLDBERG, Rose Lee. Performance art: from Futurism to the present. New York: Harry N. Abrams, 1988, e Naima Prevots, Zurich Dada and Dance: Formative Ferment, Dance Research Journal. Spring-Summer 1985, p. 3-8.
9 PARTSH-BERGSOHN, RoseLee. Dance theatre from Rudolph Laban to Pina Bausch in Dance Theatre Journal v.6, nº 2. July 1988, p. 38. Para maior referência sobre a dança norte-americana nos anos 60, vide BANES, Sally. Terpsichore in sneakers: post-modern dance. Boston: Houghton Mifflin Company, 1980.
10 Nesse aspecto, o trabalho de Bausch está de acordo com a filosofia de Jooss. Jooss defendia a criação de peças de dança que incluíssem ambas forma e apresentação altamente técnicas, e conteúdo emocional, associando divertimento e arte socialmente crítica: Estamos vivendo numa época que está redescobrindo a forma artística. Em dança isto significa que do caos dos movimentos arbitrários e casuais, apenas os mais essencialmente importantes serão desenvolvidos [...]. Um compromisso criativo entre a expressão livre do indivíduo e condescendência formal com leis objetivas e intelectuais está se desenvolvendo: um compromisso no mais nobre sentido, que pode também ser descrito como axial ao mundo da arte. Jooss, na introdução de MÜLLER, Hedwig in Jooss, de MARKARD, A. and MARKARD, H. Köln, Germany: Ballett-Bühnen-Verlag, 1985, p.16-7.
11 BARTENIEFF, Irmgard. Body movement: coping with the environment. Pennsylvania: Gordon & Breach Science Publishers, 1980, p.191.
12 KERKHOVEN, Marianne van. Dance, theatre, and their Hazy Boundaries in Ballet International, Special Issue 1. January 1993, p. 30.
13 BARTENIEFF, Irmgard. The roots of Laban Theory: Aesthetics and beyond in Four adaptations of effort theory in research and teaching. New York: Dance Notation Bureau, 1970, p. 11. Mesmo hoje, no Laban/Bartenieff Institute of Movement Studies, New York, esta integração é um requerimento em exames finais, apresentações e projetos, para receber o Certificado de Analista de Movimento. Integração é interpretada como a habilidade do estudante em expressar a linguagem Laban de movimento verbal e fisicamente, com envolvimento emocional e pessoal.
14 OSBORNE, Claire, op. cit., p. 94.
15 De acordo com Susanne Langer, todo trabalho de arte consiste em linguagem simbólica — o meio pelo qual sentimentos são articulados. A linguagem simbólica da música, por exemplo, difere de linguagem porque seus elementos não são palavras — símbolos associativos independentes com uma referência fixada pela convenção. [...] ela não é linguagem porque não tem vocabulário. LANGER, Susanne. Sentimento e forma. São Paulo: Perspectiva, 1980, p. 33. No capítulo, Langer usa as teorias de Rudolf Laban como apoio e exemplo à sua tese.
16 BARTENIEFF, Irmgard. Body movement, ibid., p. 191.
17 A quebra de completude entre forma e significado conseqüentemente modifica o conceito de linguagem nas obras de Bausch, evocando mais a cadeia significante de Lacan, composta de signos, do que a linguagem simbólica de Langer, composta de símbolos. Vide KRISTEVA, Julia. From symbol to sign in The Kristeva reader. New York: Columbia University Press, 1986, p. 63-73.
18 O termo Simbólico, iniciado com "S" maiúsculo, refere-se ao estágio lingüístico do desenvolvimento do ego narcisista descrito por Lacan (que aborda signos, auto-referentes, multiplicadores de si mesmos e abertos a infinita significação a partir de suas inter-relações em uma cadeia significante), distinto de simbólico ou linguagem simbólica de Langer (que aborda símbolos nos quais cada significante corresponde a um significado). LACAN, Jacques. A rede dos significantes in O seminário livro 11 - os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 45-55; A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud in Escritos. São Paulo: Perspectiva, 1978, p. 223-259. Vide também VALLEJO, Américo e MAGALHÃES, Ligia C. Lacan: operadores da leitura. São Paulo: Perspectiva, 1991.
19 The mirror stage as formative of the function of the I in Écrits. New York: W. W. Norton & Company Inc., 1977, p. 1-7. Este capítulo, traduzido de Écrits, Éditions du Seuil, 1966, por Alan Sheridan, não consta na tradução para a língua portuguesa Escritos. São Paulo: Perspectiva, 1978.
20 SERVOS, Norbert and WEIGELT, Gert. Pina Bausch Wuppertal Dance Theater or The art of training a goldfish. Excursions into dance. Köln: Ballett-Bühnen-Verlag, 1984, p. 239. As palavras de Bausch me inspiraram a usar o fragmento poético na abertura deste artigo.
21 The mirror stage as formative of the function of the I, ibid.
22 O conceito de repetição em relação ao controle disciplinário do corpo, no trabalho de Bausch, é o tema de outro capítulo de minha tese de doutorado intitulada Pina Bausch and the Wuppertal Dance Theatre: repetition and transformation. New York University, 1995, a ser publicada pela HUCITEC. As principais referências são FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento e prisão. 6a ed. Petrópolis: Vozes, 1988. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1980.
23 WRIGHT, Elizabeth. Postmodern Brecht: a re-presentation. London: Routledge, 1989, p. 116.
24 Esta afirmação pode parecer paradóxica, já que as filosofias de Wigman e de Jooss parecem tão opostas. Porém, contradição e paradoxo são importantes qualidades da dança teatro de Bausch.
25 WRIGHT, Elizabeth, op. cit., p. 118-9.
25 WRIGHT, Elizabeth, op. cit., p. 118-9.
26 LACAN, Jacques. O seminário livro I - os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1986, p. 22, 48.
Pina Bausch: tudo é dança
Ela revolucionou o mundo da dança. O “principal produto alemão de exportação“ dança e coreografia em todos os continentes. Mesmo assim, Pina Bausch – altamente talentosa e premiada – se mantém fiel à cidade de Wuppertal.
Os dançarinos em cena não dançam. Correm. Gritam e riem, contam piadas. Alguém derrama água e joga terra no chão do palco. Talvez até cresça grama ali. Piruetas velozes e pernas esticadas para o alto são coisas inexistentes numa encenação dessas. Mas seres humanos – pessoas vivas com medos, amor, tristeza e fúria. "O que me interessa não é como as pessoas se movem, mas sim o que as move”, resume Pina Bausch o propósito de seu trabalho. A artista que se veste permanentemente de preto e calça número 41 é considerada uma das coreógrafas mais importantes do século 20.
No princípio era o nada
A dançarina Pina Bausch rompeu radicalmente com o balé clássico e se voltou contra a tradição da Modern Dance. Essa mulher virou todo o mundo da dança de pernas para o alto em seus 40 anos de trabalho. Teatro-dança é como a maioria denomina o que ela faz. Pina Bausch, no entanto, se refere a uma "abordagem psicológica individual". Cada peça é um novo apelo para que o espectador "confie em si mesmo, se enxergue e se sinta".
Embora a coreógrafa já tenha encenado mais de 30 peças e criado uma nova linhagem da dança, seu trabalho não se torna rotineiro e sempre está ligado a um certo risco. O medo não cessa: medo de fracassar, medo de não terminar a tempo. Afinal, "no princípio era o nada".
Sua carreira começou com aulas de balé. Nascida em 1940, em Solingen, filha de um dono de restaurante, Phillipine Bausch gostava de passar seu tempo debaixo da mesa. Ela costumava passar horas a fio no restaurante dos pais observando os fregueses. "Eu não queria ir para a cama."
Desde cedo se entusiasmou pela dança. As primeiras apresentações lúdicas com o balé infantil ocorreram em Wuppertal e Essen. Com 15 anos, iniciou sua formação de dança na Folkwangschule de Essen, fundada pelo célebre coreógrafo Kurt Joos.
Quando Pina Bausch se recorda desse período, fala de uma "época excitante". Em Kurt Joos, ela encontrou ao mesmo tempo o "legendário renovador da dança expressiva", um mentor e uma pessoa de confiança. Além disso, especialmente inspiradora era a atmosfera criativa da escola, que até hoje une sob o mesmo teto todas as artes: teatro, música, dança, gravura e pintura. "A gente convivia, enxergava e escutava os demais, aprendia um com o outro", lembra Pina.
Em seus trabalhos tardios, ela viria a conjugar inúmeros elementos de dança, música, linguagem e teatro. Mas, antes de mais nada, a estudante concluiu o curso de Dança e Pedagogia em Dança no ano de 1958. E viajou imediatamente depois aos Estados Unidos, após ter recebido um prêmio de distinção e uma bolsa de estudos da Folkwang.
"Special student" Pina Bausch
"Não me senti nem um pouco sozinha em Nova York", conta ela. Afinal, a "special student" Pina Bausch mal teria tempo para tal. Ela estudou com Antony Tudor e José Limón, dançou na Juillard School of Music e na Metropolitan Opera.
A pedido de Kurt Joos, a jovem dançarina retornou à Alemanha em 1962. E começou a dançar como solista no recém-fundado balé da Folkwang, apresentando-se em Amsterdã, Hamburgo, Londres e no Festival de Salzburgo. Na época, a dançarina ainda não pensava em encenar, embora seus primeiros trabalhos como coreógrafa viessem a surgir alguns anos depois.
Foi com uma bota de sete léguas que Pina Bausch avançou de suas primeiras encenações bem-sucedidas de teatro-dança até o posto de coreógrafa e diretora do corpo de baile de Wuppertal. Após ter recebido o primeiro prêmio num concurso de coreografia de Colônia, ela assumiu a direção do estúdio de dança da Folkwang. Bausch tinha 33 anos quando foi contratada para dirigir o Balé do Teatro de Wuppertal, em 1973.
A ousadia de vanguarda da jovem coreógrafa chocou inicialmente grande parte do público. O que ocorria no palco muitas vezes não era aquilo que constava do programa impresso. Os bailarinos não necessariamente dançavam, mas, no mais, pareciam fazer de tudo... O público expressava sua indignação vaiando ou retirando-se do recinto, sem esquecer de bater a porta. Até telefonemas anônimos com ameaças ela chegou a receber.
A ruptura de tradições foi uma tarefa árdua, sobretudo num teatro subvencionado pelo Estado. Mas Pina Bausch não se deixou dissuadir de sua concepção de dança, para a qual não existem instruções de uso. Sua versão de Iphigenie auf Tauris (Ifigênia em Táuris), de 1974, foi recebida pela crítica como um dos acontecimentos mais importantes da temporada de dança.
Cavaleira da Legião de Honra
Com uma montagem de Brecht e Weill, Pina Bausch rompeu definitivamente com todas as formas tradicionais do teatro-dança em 1976. Ela se voltou para uma dança cênica obstinada e contundente, diretamente ligada ao teatro falado. Colagens de música popular, clássica, free jazz e enredos fragmentários culminaram numa nova forma de encenação, caracterizada por ações paralelas, contraposições estéticas e uma linguagem corporal incomum para a época.
Sua companhia se tornou a principal representante da dança da Alemanha Ocidental no exterior. Turnês em todos os continentes foram e continuam tendo uma recepção altamente entusiástica. Pina Bausch começou a acumular prêmios de todas as espécies, como o Prêmio Europeu de Teatro, o Praemium Imperiale japonês, a Cruz de Mérito do governo alemão, a condecoração da Legião de Honra, apenas para citar alguns.
Sua comunidade internacional de fãs continua crescendo e se reúne em Wuppertal, o novo local de peregrinação do teatro-dança. Nos palcos internacionais, a companhia de Bausch já se apresentou em co-produções com universidades de dança dos Estados Unidos, do Hong Kong Arts Festival, da Expo 1998 em Portugal, do Theatre de la Ville de Paris e muitos outros.
Cada montagem é única
Cada peça é diferente, mas profundamente ligada a mim", descreve Pina Bausch sua acepção de teatro-dança. Seu trabalho combina tristeza e desespero calado com "a expressão calorosa do amor à vida", descreveu uma crítica. "Os temas permanecem os mesmos; o que muda são as cores", explica a coreógrafa. Ao narrar, ela se mantém fiel a determinados princípios: ações simultâneas, marcação das diagonais do palco, repetições propositais e suspense dramático por meio de contraposições e progressões.
Apesar dos êxitos das últimas décadas, a coreógrafa e dançarina prossegue seu trabalho incansavelmente. "A única coisa a fazer é realizar o trabalho junto com os dançarinos, de modo que cada apresentação seja um prazer. E isso tem que ser retrabalhado todas as noites."
Marcus Bösch (sm)
Os dançarinos em cena não dançam. Correm. Gritam e riem, contam piadas. Alguém derrama água e joga terra no chão do palco. Talvez até cresça grama ali. Piruetas velozes e pernas esticadas para o alto são coisas inexistentes numa encenação dessas. Mas seres humanos – pessoas vivas com medos, amor, tristeza e fúria. "O que me interessa não é como as pessoas se movem, mas sim o que as move”, resume Pina Bausch o propósito de seu trabalho. A artista que se veste permanentemente de preto e calça número 41 é considerada uma das coreógrafas mais importantes do século 20.
No princípio era o nada
A dançarina Pina Bausch rompeu radicalmente com o balé clássico e se voltou contra a tradição da Modern Dance. Essa mulher virou todo o mundo da dança de pernas para o alto em seus 40 anos de trabalho. Teatro-dança é como a maioria denomina o que ela faz. Pina Bausch, no entanto, se refere a uma "abordagem psicológica individual". Cada peça é um novo apelo para que o espectador "confie em si mesmo, se enxergue e se sinta".
Embora a coreógrafa já tenha encenado mais de 30 peças e criado uma nova linhagem da dança, seu trabalho não se torna rotineiro e sempre está ligado a um certo risco. O medo não cessa: medo de fracassar, medo de não terminar a tempo. Afinal, "no princípio era o nada".
Sua carreira começou com aulas de balé. Nascida em 1940, em Solingen, filha de um dono de restaurante, Phillipine Bausch gostava de passar seu tempo debaixo da mesa. Ela costumava passar horas a fio no restaurante dos pais observando os fregueses. "Eu não queria ir para a cama."
Desde cedo se entusiasmou pela dança. As primeiras apresentações lúdicas com o balé infantil ocorreram em Wuppertal e Essen. Com 15 anos, iniciou sua formação de dança na Folkwangschule de Essen, fundada pelo célebre coreógrafo Kurt Joos.
Quando Pina Bausch se recorda desse período, fala de uma "época excitante". Em Kurt Joos, ela encontrou ao mesmo tempo o "legendário renovador da dança expressiva", um mentor e uma pessoa de confiança. Além disso, especialmente inspiradora era a atmosfera criativa da escola, que até hoje une sob o mesmo teto todas as artes: teatro, música, dança, gravura e pintura. "A gente convivia, enxergava e escutava os demais, aprendia um com o outro", lembra Pina.
Em seus trabalhos tardios, ela viria a conjugar inúmeros elementos de dança, música, linguagem e teatro. Mas, antes de mais nada, a estudante concluiu o curso de Dança e Pedagogia em Dança no ano de 1958. E viajou imediatamente depois aos Estados Unidos, após ter recebido um prêmio de distinção e uma bolsa de estudos da Folkwang.
"Special student" Pina Bausch
"Não me senti nem um pouco sozinha em Nova York", conta ela. Afinal, a "special student" Pina Bausch mal teria tempo para tal. Ela estudou com Antony Tudor e José Limón, dançou na Juillard School of Music e na Metropolitan Opera.
A pedido de Kurt Joos, a jovem dançarina retornou à Alemanha em 1962. E começou a dançar como solista no recém-fundado balé da Folkwang, apresentando-se em Amsterdã, Hamburgo, Londres e no Festival de Salzburgo. Na época, a dançarina ainda não pensava em encenar, embora seus primeiros trabalhos como coreógrafa viessem a surgir alguns anos depois.
Foi com uma bota de sete léguas que Pina Bausch avançou de suas primeiras encenações bem-sucedidas de teatro-dança até o posto de coreógrafa e diretora do corpo de baile de Wuppertal. Após ter recebido o primeiro prêmio num concurso de coreografia de Colônia, ela assumiu a direção do estúdio de dança da Folkwang. Bausch tinha 33 anos quando foi contratada para dirigir o Balé do Teatro de Wuppertal, em 1973.
A ousadia de vanguarda da jovem coreógrafa chocou inicialmente grande parte do público. O que ocorria no palco muitas vezes não era aquilo que constava do programa impresso. Os bailarinos não necessariamente dançavam, mas, no mais, pareciam fazer de tudo... O público expressava sua indignação vaiando ou retirando-se do recinto, sem esquecer de bater a porta. Até telefonemas anônimos com ameaças ela chegou a receber.
A ruptura de tradições foi uma tarefa árdua, sobretudo num teatro subvencionado pelo Estado. Mas Pina Bausch não se deixou dissuadir de sua concepção de dança, para a qual não existem instruções de uso. Sua versão de Iphigenie auf Tauris (Ifigênia em Táuris), de 1974, foi recebida pela crítica como um dos acontecimentos mais importantes da temporada de dança.
Cavaleira da Legião de Honra
Com uma montagem de Brecht e Weill, Pina Bausch rompeu definitivamente com todas as formas tradicionais do teatro-dança em 1976. Ela se voltou para uma dança cênica obstinada e contundente, diretamente ligada ao teatro falado. Colagens de música popular, clássica, free jazz e enredos fragmentários culminaram numa nova forma de encenação, caracterizada por ações paralelas, contraposições estéticas e uma linguagem corporal incomum para a época.
Sua companhia se tornou a principal representante da dança da Alemanha Ocidental no exterior. Turnês em todos os continentes foram e continuam tendo uma recepção altamente entusiástica. Pina Bausch começou a acumular prêmios de todas as espécies, como o Prêmio Europeu de Teatro, o Praemium Imperiale japonês, a Cruz de Mérito do governo alemão, a condecoração da Legião de Honra, apenas para citar alguns.
Sua comunidade internacional de fãs continua crescendo e se reúne em Wuppertal, o novo local de peregrinação do teatro-dança. Nos palcos internacionais, a companhia de Bausch já se apresentou em co-produções com universidades de dança dos Estados Unidos, do Hong Kong Arts Festival, da Expo 1998 em Portugal, do Theatre de la Ville de Paris e muitos outros.
Cada montagem é única
Cada peça é diferente, mas profundamente ligada a mim", descreve Pina Bausch sua acepção de teatro-dança. Seu trabalho combina tristeza e desespero calado com "a expressão calorosa do amor à vida", descreveu uma crítica. "Os temas permanecem os mesmos; o que muda são as cores", explica a coreógrafa. Ao narrar, ela se mantém fiel a determinados princípios: ações simultâneas, marcação das diagonais do palco, repetições propositais e suspense dramático por meio de contraposições e progressões.
Apesar dos êxitos das últimas décadas, a coreógrafa e dançarina prossegue seu trabalho incansavelmente. "A única coisa a fazer é realizar o trabalho junto com os dançarinos, de modo que cada apresentação seja um prazer. E isso tem que ser retrabalhado todas as noites."
Marcus Bösch (sm)
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
domingo, 13 de setembro de 2009
Meredith Monk - Book of Days (1988)
http://www.youtube.com/watch?v=nMFLct2laqw
An excerpt from Meredith Monk's featured film "Book of Days".
Unavailable for a long time, a DVD that also containis "Ellis Island" (1981) can now be obtained at http://www.meredithmonk.org/
An excerpt from Meredith Monk's featured film "Book of Days".
Unavailable for a long time, a DVD that also containis "Ellis Island" (1981) can now be obtained at http://www.meredithmonk.org/
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
Referências
Ópera de Câmara, ou esta idéia de Ópera Contemporânea
John Cage - http://www.myspace.com/johncage433
Robert Wilson
Livro: Os Processos Criativos de Robert Wilson - Luis Roberto Galízia (FAP - Andrew) http://robertwilson.com/
Johann Kresnik -
Dança Pós-Moderna:
Indiretamente:
Heiner Goebbels
Pina Bausch
Michael Nyman - http://www.myspace.com/michaelnymanmusic
Philip Glass - http://www.myspace.com/philipglass
Teatro pós-moderno e
Pós pós-moderno, ou "Réu-nealista" (alguém arrisca um novo termo?), enfim, o desta época em que está inserido nosso corpo físico (atravessado por referências de outras épocas, geneticamente e psicologicamente)
"Rock 'n Roll - Ki - Kung Fu" - Comprende, compañero?
John Cage - http://www.myspace.com/johncage433
Robert Wilson
Livro: Os Processos Criativos de Robert Wilson - Luis Roberto Galízia (FAP - Andrew) http://robertwilson.com/
Johann Kresnik -
Dança Pós-Moderna:
Indiretamente:
Heiner Goebbels
Pina Bausch
Michael Nyman - http://www.myspace.com/michaelnymanmusic
Philip Glass - http://www.myspace.com/philipglass
Teatro pós-moderno e
Pós pós-moderno, ou "Réu-nealista" (alguém arrisca um novo termo?), enfim, o desta época em que está inserido nosso corpo físico (atravessado por referências de outras épocas, geneticamente e psicologicamente)
"Rock 'n Roll - Ki - Kung Fu" - Comprende, compañero?
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