sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Conceitualmente

"Arte Conceitual" é um termo usado pela primeira vez pelo artista americano Sol LeWitt para definir seu próprio trabalho. Artista visual, LeWitt foi influenciado pelos readymades de Marcel Duchamp e um reconhecido criador de instalações; sua proposta poética era a de conseguir resultados que pudessem ser alcançados através de uma proposição esquemática, usando objetos comuns e de fácil alcance – vamos pensar, algo assim como “oito cadeiras de madeira dispostas em círculo; um guarda-chuva preto de ponta-cabeça pendendo do teto a 3,5m do chão, no centro desse círculo; tinta amarela espalhada com action-painting por todo o chão” (esta instalação eu acabei de inventar =P). O caráter desse tipo de arte seria o do abandono dos critérios estéticos como recursos centrais de expressão – esses que são aceitos socialmente e pertencentes a um padrão cultural estabelecido – que seria substituído então a obediência estrutural a uma idéia, ou conceito, que seria ao mesmo tempo a fonte e o fim da obra de arte.

A arte conceitual nunca foi um movimento, embora tenha estado mais ou menos na moda, antes ou agora, neste ou naquele lugar. Por isso, os conceituais foram autores das mais diversas áreas de expressão, e a partir da década de 1960 acabaram por ajudar a estabelecer um novo tratamento para as disciplinas artísticas (como todo mundo sabe, hoje já não temos mais “pintura, escultura e desenho”, mas artes visuais; “teatro, música e dança” mas artes performáticas; etc. Os conceituais são padrinhos de algumas dessas mudanças teóricas).

Como toda forma moderna de expressão artística, a arte conceitual é um poço de novas possibilidades. Entre outras características, a arte conceitual é pret-a-porter: uma vez que trabalha com elementos intelectuais e não materiais, torna virtualmente impossível que a ação artística tome o caráter de fetichização que é comum à arte clássica – a obra de um artista visual contemporâneo, sobretudo depois do advento da internet, possui sua força exatamente na sua capacidade de reprodução, e não na sua natureza única e preciosa. Contudo, uma vez que o mercado para futilidades é imenso e voraz – e uma vez que a economia mundial é baseada em relações de troca que devem contradizer relações de produção – sempre surgem figuras capazes de estragar as melhores invenções...

Foi o caso do como sempre pateta e imprestável Damien Hirst, dândi maior das múmias bilionárias dos MoMAs, Christie´s e Guggenheims: em julho sua exposição na TATE Gallery de Londres foi visitada por Cartrain, um artista urbano inglês da nova geração (na linha de Banksy, Basquiat). Cartrain parece ter resolvido criticar uma das instalações de Hirst, Pharmacy”, avaliada atualmente em 10 milhões de libras (!).


Pharmacy é uma instalação tipicamente conceitual: trata-se de um amontoado de objetos comuns ordenados de uma maneira razoavelmente comum: são prateleiras com caixas de medicamentos, uma escrivaninha, quatro jarros, quatro vasos e um matador elétrico de moscas. Apesar de negar as acusações, parece que Cartrain teria se apossado de um dos elementos da instalação – um estojo de lápis, que ficava sobre a escrivaninha. Esse item, que deve custar em qualquer papelaria algo em torno de uns três reais, fazia parte de uma obra de arte milionária, e Hirst o está processando Cartrain no valor de 500 mil libras – algo em torno de um milhão e meio de reais.

O jovem pixador não tem, é claro, dinheiro pra pagar pelo caríssimo e artístico elemento (seus agentes vendem cópias em número limitado, dez de cada, de obras suas a sessenta e cinco libras cada cópia) e seu pai acabou sendo preso (Cartrain é menor de idade). Esta não é a primeira vez que Hirst o processa: sobre um trabalho de 2008, que utiliza uma fotografia de sua obra “Pelo Amor de Deus”, avaliada em 50 milhões de libras, o milionário está exigindo participação nos lucros obtidos com a venda da reproduções baratas do iconoclastinha.

Com o estojo de lápis furtado, Cartrain teria criado a colagem "Extorsão". Diferente de Hirst, Cartrain não se considera um artista conceitual (ele se define apenas como “guerrilheiro”). Mas, enfim, vale a pena perguntar: nos conceitos de Picasso e LeWitt, quem será o "grande artista"? Davi ou Golias?

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